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Natureza, Símbolo, Realidade Imaginária

Alexey Dodsworth

 

Ao colocar em departamentos estanques o homem, a natureza e o sentido do sagrado, o pensamento ocidental perdeu a noção do Todo e fragmentou a experiência vivencial. A reflexão astrológica corre o risco de apenas reproduzir a ideologia dominante, que justifica a degradação ambiental e torna o homem escravo de um modelo produtivo alienante. Para cumprir seu papel libertador e integrativo, a Astrologia precisa, a exemplo da alquimia e da homeopatia, assumir o papel de intérprete da natureza.

Religião e crise ambiental

Dentro de uma visão holística, é quase consenso o fato de que a rejeição da crença pagã, que diviniza a natureza, em prol da linha de pensamento monoteísta, onde o homem é o centro e a natureza sua "serva", contribuiu para a superpopulação, a poluição do ar e da água e outras ameaças ecológicas. Considerando-se o "ser supremo" que caminha sobre o planeta com as bênçãos de Deus, o homem abusa deste título e desconsidera o sentimento de unidade. A própria representação imagética da natureza (Pan) passou a ser a representação do diabo cristão, com suas patinhas de bode e chifres, assombrando virgens donzelas. A natureza tornou-se "o mal" a ser dominado.

A Astrologia nos oferece uma outra forma de ver, resgatando o sentido de que todas as coisas estão intrinsecamente relacionadas, que tudo é espelho de tudo. A visão holística é a própria visão de Pan, que, como holos, significa O Todo.

A transformação da natureza no "mal" reflete perfeitamente a tendência humana de rejeitar a sua verdadeira natureza íntima. Todo sofrimento, toda dor intensa advém quando o indivíduo se afasta de sua verdadeira natureza, que pode ser identificada, ou ao menos "esclarecida", através da interpretação das posições planetárias relativas ao momento do nascimento - o chamado mapa astral. O tempo todo estamos agindo segundo modelos comparativos, ou tentando nos adequar a um senso de "normalidade social". Parafraseando Pierre Weil, "o mal do século XX é a normose, a ansiedade de ser normal".

Sendo a Astrologia uma ciência-arte uraniana, ela já começa nos ensinando que todas as coisas manifestas no Universo possuem suas idiossincrasias e particularidades, e que "normal" é uma questão de ponto de vista, ambiente e época. É ao rejeitar sua singularidade, sua "natureza real", que o ser humano se desconecta de Pan, o deus do Todo, mestre da natureza.

Durante vários séculos, a teologia tradicional do ocidente distanciou o homem da natureza - não apenas da natureza "externa", mas também (e principalmente) da natureza interna do homem, classificando como "pecado" os impulsos animais naturais de todo ser humano. Ao enfatizar o valor da natureza somente na medida em que ela "contribui para o bem-estar da humanidade" - uma mera serva - tanto o teocentrismo como o antropocentrismo sancionaram a exploração do meio ambiente pela ciência e pela tecnologia. Afinal, dentro desta distorcida linha de pensamento, o ser humano é "o mais importante animal que caminha sobre o planeta", todo o resto existe apenas para servi-lo.

Mas, considerando-se "racional", o homem demonstra ser exatamente o contrário. Qual animal, enfim, extingue outra espécie ou a sua própria? Destacando-se da unidade da natureza, a raça humana tem se revelado, em verdade, como a mais tola entidade que caminha sobre a face da Terra.

Muitos podem questionar: como é possível que valores religiosos, morais e filosóficos tenham influência na crise ambiental? A religião tradicional na forma de fé exteriorizada tornou-se vazia de significado para muitos. Como expressão simbólica dos valores espirituais do ser humano, a religião tradicional perdeu muito de sua força justamente porque se distanciou da natureza. Assim, do mesmo modo que o "burguês" de Molière, que se surpreendeu ao perceber que "falou em prosa" a vida inteira, o homem racional moderno ficaria chocado se percebesse que sua atitude em relação à natureza exprime os seus valores religiosos: pura forma sem substância. Separado, fracionado, a natureza "fora" e "Deus" em qualquer outro lugar bem distante, menos aqui.

Poderíamos até dizer que religião e filosofia são escopo da Casa 9, mas pessoalmente acho esta visão um pouco limitada. Observo aspectos de religião e filosofia em todas as casas mutáveis do mapa: a Casa 3 como assimilação, inspiração, a Casa 6 como digestão daquilo que se aprende, a Casa 9 como expressão dos valores, e finalmente a Casa 12 como da união com o Todo Sagrado. Ou ainda: no eixo 3-9 temos a assimilação e expressão de valores, e no eixo 6-12 temos a experiência destes mesmos valores. Um estudo apurado dos planetas presentes nestas casas, assim como de seus regentes e dos aspectos que formam, pode conduzir-nos a uma compreensão dos valores filosóficos que norteiam o indivíduo, assim como de suas contradições morais particulares.

Eliminamos da natureza e do próprio mundo material (Casa 6) o sentido de sagrado, considerando-o como algo impalpável e abstrato demais, até incompreensível (Casa 12). Nossas maiores preocupações transpessoais modernas parecem reduzir-se a idéias abstratas e teóricas, ou mesmo sobre o controle tecnológico, a realidade extraterrena, o domínio da genética. Nossos atuais deuses sem rosto são a tecnologia, a produção, o bem-estar físico. A natureza nos parece nada mais do que uma coleção de coisas insensíveis e irracionais, o que na verdade não passa de uma projeção nossa, nós, os insensíveis e irracionais senhores do mundo.

O problema, em verdade, não está na tecnologia, na preocupação com o espaço ou com a genética. A problemática tem consistido na ausência de alma.

Esta alienação da natureza não é apenas uma rejeição da natureza exterior. Afastamo-nos de nosso daimon, de nossa real essência, elaborando "valores ideais", morais e restritivos (o próprio conceito de pecado enquanto restrição). E, como toda alienação, esta, em particular, ameaça com neuroses e psicoses não só o homem enquanto indivíduo (Casa 1): ameaça sobretudo o homem enquanto grupo (Casa 11).

A falácia do trabalho e da responsabilidade 

Atalhos de Constelar 02 - agosto/1998

Natureza, Símbolo, Realidade Imaginária, de Alexey Dodsworth
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