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Um olhar brasileiro em Astrologia
 Edição 137 :: Novembro/2009 :: -

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MERCÚRIO, A PALAVRA E A COMUNICAÇÃO

O mito de Hermes

Jayme Carvalho

Hermes, deus agrário

Hermes CrióforoDivindade complexa e com muitos atributos, Hermes parece ter sido de início um deus agrário, protetor de pastores nômades e dos rebanhos, daí seu epíteto de Crióforo (e muitas vezes representado com um carneiro sobre os ombros). Mas os gregos ampliaram suas funções e, por ter roubado o rebanho de Apolo, tornou-se símbolo de astúcia, ardil e da trapaça. Mentalmente esperto, ele, o pensamento, é o golpe de mestre. Esperteza entendida como proteção. Senhor dos que realizam negócios durante a noite. Na Ilíada, vendo o alquebrado Príamo ser conduzido por Hermes através do acampamento aqueu, Zeus exclama comovido: Hermes, tua mais agradável tarefa é ser o companheiro do homem; ouves a quem estimas. Então aqui podemos ampliar a função pensamento, palavra e comunicação, para a capacidade de ouvir. Senão ficaríamos com a definição de diálogo como dois monólogos superpostos. Cada um em seu próprio solilóquio.

Hermes PsicopompoCabia a ele levar as almas para o Hades, o mundo subterrâneo, ou mundo dos mortos. Tinha o dom de ficar invisível (em algumas versões, usava o capacete de Hades, ou o capuz invisível). O Hermes condutor das almas se chama Psicopompo [direita].

Sua aparição, sua presença, também tinha para os gregos algo de fantasmagórico. Quando, em uma assembléia ou reunião, todos se calavam de repente, era costume dizer: “Hermes chegou” (Plutarco). Do mesmo modo que o sentimento de estranheza que temos hoje em dia em momentos como esses em que alguns dizem: “um anjo passou por aqui”. É como se os segredos noturnos se movessem em pleno dia.

Hoje perdemos muito dessa magia com que os antigos enxergavam o mundo, pois, nas cidades com luzes para todos os lados, já não se caminha na escuridão, onde o próximo desaparece, e com ele também o longínquo. Quando tudo está perto e longe ao mesmo tempo; junto de nós e estranhamente afastado. Na escuridão o espaço perde suas dimensões. Ressoa e sussurra, não se sabe o quê, nem de onde. O sentimento é incerto. Por dentro da mais amável confidência surge o estranho, e no entanto o escuro, o terrível, atrai e fascina. Não há mais separação entre os seres vivos e os desprovidos de vida. Tudo é animado e inanimado, desperto e adormecido. O que o dia aproxima e torna reconhecível, a noite desprende de um só golpe. Tudo desassossega, as coisas simulam faces conhecidas e, no mesmo instante, as desconhecem; dão sustos súbitos, com sugerir jeitos esquisitos e, de novo, voltam a ter rostos familiares e inofensivos. Ronda o perigo por toda parte. A qualquer hora pode surgir um assaltante, um assombro fantasmagórico, uma alma penada. Quem há de nos guiar no rumo certo? Hermes não é um poder que socorre os homens em determinados momentos da vida, mas sim o espírito de uma forma de existência recorrente sob certas condições. O mundo de Hermes não é um mundo heróico, o que podemos ver expresso em seus filhos.

Hermes teve alguns filhos: Autólico era um arquiladrão, bastava tocar com as mãos em alguma coisa e ela se tornava invisível. Autólico, favorito de Hermes, superou todos os homens nas artes do roubo e do perjúrio. Por isso Eurípides o chamou de Senhor da gente que age no escuro. Hermes deve ter um oratório escondido no Senado.

Também teve um filho Mirtilo, que, por uma noite de amor, pôs um cravo de cera no carro de corrida do seu amo, Enomaos, que morreu ao tombar com o carro.

Hermes também foi pai de Hermafrodita, seu filho com Afrodite, sinalizando a natureza dupla do Mercúrio.

Entre os feito de Hermes se destacam:

Ulisses e a feiticeira Circe1 – lutou ao lado dos deuses, matando o gigante Hipólito;
2 – Recompôs fisicamente seu pai, roubando os tendões que lhe arrancara o monstruoso Tifão;
3 – libertou seu irmão Ares, que os Alóadas haviam encerrado em um pote de bronze;
4 – salvou Ulisses e seus companheiros já transformados em animais pela feiticeira Circe.
Em Édipo em Colono de Sófocles, Hermes guia Édipo cego até encontrar o caminho onde há de desaparecer.

Direita: quadro Odisseu (Ulisses) e Circe, do pintor barroco Bartholomäus Spranger (1543-1611).

A grande função de Hermes, no entanto, consistia em ser o intérprete da vontade dos deuses. Por seu intermédio, o músico Anfião recebeu a lira; Hércules, a espada; Perseu, o capacete de Hades. Ele foi o enviado por Zeus à bela Calipso com ordens de que deixasse Ulisses partir. Foi quem adormeceu Argos, o gigante de cem olhos, colocado por Hera como guardião da vaca Io. Levou ao Monte Ida as três deusas, Hera, Afrodite e Atena, para que o pastor Páris atuasse como árbitro da querela provocada por Éris (a Discórdia) e que deu início à Guerra de Tróia. Por ordem expressa de Zeus cumpriu a ingrata missão de entregar o ultimatum a Prometeu, posteriormente acorrentado. Conduziu o pequeno Dionísio de asilo em asilo, primeiro para a corte de Átamas e depois para o Monte Nisa. Também conduziu Psique ao Olimpo para casar com Eros.

Mas o que mais interessa são suas relações com o mundo dos homens, um mundo por definição lançado num aberto, isto é, em permanente construção. Aqui os atributos primordiais – astúcia, inventividade, domínio sobre as trevas, interesse pelas atividades do homem, psicopompia – foram continuamente (até pelo menos o século XVII, através do hermetismo e da alquimia) reinterpretados e acabaram por fazer de Hermes uma figura complexa, um deus civilizador, a um só tempo patrono da ciência e do ocultismo. Hermes se transformou no companheiro dos homens porque possuía o poder de lutar contra as forças ctônicas. E aquele que receber o conhecimento de suas fórmulas mágicas ou herméticas [a palavra hermenêutica também provém de seu nome] torna-se invulnerável a toda e qualquer obscuridade. Mercúrio/Hermes era frequentemente invocado nas cerimônias dos magos como transmissor de fórmulas mágicas (alquimia).

Semelhante ao deus grego Tot, mestre da palavra e da inteligência, mago terrível e patrono dos magos, Hermes ganhou também a alcunha de Trismegisto – três vezes mestre.

Corpus Hermeticum, 1643Parêntesis: Nos primeiros anos da Era Cristã, surgiu em Roma uma série de escritos, posteriormente reunidos sob a epígrafe de “Corpus Hermeticum”, relativa a Hermes Trismegisto, que discorria sobre filosofia, religião, alquimia, magia e, sobretudo, astrologia, um sincretismo greco-egípcio-judaico-cristão, que serviu de base para os ensinamentos gnósticos. Dessa tendência, surgiu o neoplatonismo, influenciando a Amônio Saca e a Plotino.

Esquerda: capa da edição holandesa de 1643 do Corpus Hermeticum, uma obra que jamais deixou de circular na Europa.

Voltando a Hermes: todas essas estórias revelam bastante sobre Hermes/Mercúrio. Por que o deus da mente e das atividades literárias foi chamado de ladrão? Porque o intelecto humano, por si só, é amoral. Sua função como pensamento racional não está necessariamente submetido a nenhum código de ética. O mesmo processo mental que leva um indivíduo a escrever um livro sobre como instalar fechaduras pode ser usado por outro indivíduo (ou pelo mesmo) para romper as fechaduras e burlar os alarmes. A mente é um instrumento poderoso que possuímos e pode ser usado tanto para o bem quanto para o mal.

Se formos pensar no simbolismo natural, os antigos raramente viam [o planeta] Mercúrio no céu e, quando conseguiam, era por um período muito curto. Talvez isto tenha contribuído para a construção da mitologia de um deus oculto e não confiável. Mercúrio também está associado à rapidez. Seu movimento de até 3 graus por dia – ou seja, três vezes mais rápido do que o Sol – certamente contribuiu para isto. Tem três períodos de retrogradação por ano, que duram três semanas. Para os antigos, esse era um momento em que tudo enlouquecia, pois como Mercúrio governava as mensagens, as viagens, a ligação com o mundo mais próximo, a informação (cartas e contratos) e o comércio, tudo era afetado no período de retrogradação.

Mercúrio foi observado pela primeira vez em trânsito sobre o Sol por Pierre Gassendi em 7 de novembro de 1631, com base nos cálculos feitos por Kepler, que morreu antes de poder verificar por si mesmo este trânsito. Gassendi ficou surpreso com a pequenez de Mercúrio, pois acreditava que seu diâmetro correspondesse a 1/5 do diâmetro do Sol. Hoje se sabe que o diâmetro de Mercúrio é 1/300 menor do que o do Sol.

Gassendi, entusiasmado por ter sido o primeiro a observar Mercúrio caminhando sobre o Sol, escreveu: “Esse ladino Cilênio [uma alusão a Cilene, na Arcádia, onde nasceu a divindade] lançou uma neblina para encobrir a Terra e então se apresentou mais cedo e menor do que o esperado a fim de passar sem ser notado ou reconhecido. Porém, acostumado às peças que ele vem pregando desde a infância [em referência ao roubo do rebanho guardado por Apolo], Apolo [Sol] favoreceu-nos e dispôs as coisas de tal modo que, ainda que escapasse de ser detectado ao se aproximar, não partiria inteiramente despercebido. Foi-me concedido cercear um pouco suas sandálias aladas, mesmo enquanto escapuliam. Sou mais afortunado do que muitos desses contempladores de Hermes que buscaram o trânsito em vão, e o encontrei onde ninguém mais o vira até hoje, por assim dizer, no trono de Febo [Apolo], a reluzir com esmeraldas brilhantes”.

 

Jayme, o economista e o astrólogo

Jayme Carvalho, 1994Jayme Carvalho, nascido na manhã de 8.7.1958, era um canceriano com Ascendente em Leão e Lua em Áries. Formado em Economia, desenvolveu sua carreira nessa área, mas nos últimos anos vinha fazendo uma transição para o exercício da Astrologia em tempo integral. Vivia no Rio de Janeiro e participou como palestrante de alguns importantes eventos do calendário astrológico recente: apresentou trabalhos na mesa de previsões do Sinarj, ocorrida em janeiro de 2009; em junho foi palestrante no GeA - Congresso Gente de Astrología, em Buenos Aires; em seguida apresentou-se no Simpósio do Sinarj, do Rio de Janeiro. Sua última palestra - cuja transcrição constitui o artigo aqui publicado - foi proferida em 29 de agosto de 2009, na Casa das Palmeiras (Rio de Janeiro), como parte da programação do Ciclo Mitologia, Psicologia e Arte, promovido por Martha Pires Ferreira. Faleceu de insuficiência respiratória, em 12.10.2009.

Sobre ele diz Martha Pires Ferreira:

Jayme Carvalho, um risonho economista, aparece na minha casa para estudar em 2003/04, e já com  boa base de conhecimento em Astrologia. Caminhava com os próprios pés. Apenas ajudei-o a fazer outras investidas nas conexões celestes, a dar outros mergulhos e/ou ter um olhar a mais para as questões do mundo sócio-político. Sabia que ele havia estudado com a Claudia Lisboa, grande pessoa e mestra. Jayme sempre se mostrou estudioso e interessado em aprofundar-se cada vez mais como astrólogo e como ser humano. Atento não só no que dizia respeito à leituras de Mapas Pessoais assim como, em particular, interesse pela Astrologia Mundial, no que ela poderia contribuir para a compreensão dos valores culturais, econômicos e sociais. Eu tinha uma visão nítida de que ele seria um astrólogo de nível elevado e daria uma especial contribuição para a história da Astrologia no Brasil. Homem culto, mergulhava na filosofia, literatura refinada, mitologia, psicologia profunda, e por aí vai. Grande perda, mistério profundo.

Uma pessoa que eu não quis perder de vista, pelos valores morais, generosidade, humor sutil, franqueza transparente e riqueza intelectual. Se tinha defeitos nem vi, se afundaram todos diantes das virtudes, as quais ficaram luminosas no coração de muitos e muitos queridos amigos. 

Depoimento de Silvia Ceres, astróloga argentina:

Conocí a Jayme intercambiando mensajes de correo electrónico con motivo del Encuentro entre Astrólogos 2009, organizado por Gente de Astrología-GeA, llevado a cabo en junio de este año, en Buenos Aires, Argentina.  

La calidad de su ponencia, la preocupación por cumplir en tiempo y forma con los requisitos de la organización, me hicieron entender que estaba frente a un profesional serio, profundo y responsable.  

Nos conocimos personalmente un día antes del Encuentro. Su calidez, simpatía e inquietud para aprovechar su estadía en nuestra ciudad para ver espectáculos teatrales, me generó la certeza de estar frente a una persona estupenda. 

Jayme Carvalho no Encuentro Gente de Astrología 2009Jayme em palestra no Encuentro Gente de Astrología, junho/2009. Foto: Adrián Arguelles.

Volvimos a compartir conversaciones y un almuerzo, días después, en el transcurso del Simposio de SINARJ, en Río de Janeiro. Aquella primera impresión de calidez y responsabilidad, siguió creciendo.  

Hace unos días conocí la noticia de su fallecimiento. Sentí la partida de un amigo y la tristeza de que la comunidad astrológica perdía un profesional excepcional, un ser indispensable. El poco tiempo de contacto, no fue obstáculo para crear un vínculo de cariño y respeto.

("Conheci Jayme trocando e-mails em razão do congresso GeA 2009, organizado por Gente de Astrología e ocorrido em junho deste ano, em Buenos Aires. A qualidade de sua palestra, a preocupação de cumprir, no tempo e na forma de apresentação, os requisitos da organização, fizeram-me entender que estava diante de um profissional sério, profundo e responsável.

Conhecemo-nos pessoalmente na véspera do Encontro. Seu calor humano, simpatia e inquietação para aproveitar a estada na cidade para ir ao teatro firmaram a certeza de estar diante de uma pessoa estupenda.

Voltamos a trocar idéias e a almoçar juntos dias depois, durante o Simpósio do SINARJ, no Rio de Janeiro. Aquela primeira impressão de calor e responsabilidade continuou crescendo.

Há dias soube da notícia de seu falecimento. Senti a partida de um amigo e tristeza por ter a comunidade astrológica perdido um profissional excepcional, um ser indispensável. O pouco tempo de contato não foi obstáculo para criar um vínculo de carinho e respeito.")

Durante o Encuentro Gente de Astrología, em Buenos Aires, Jayme era o mais animado dos quatro astrólogos brasileiros incluídos na programação. No final de um longo dia de palestras, e depois de polarizar uma alegre roda de conversas durante o jantar com colegas argentinos, ainda não se dava por vencido: com disposição de adolescente, procurava alguma companhia para explorar a noite portenha. Queria dançar, ouvir música, conversar mais e mais. Acabou arrastando Sandra Lía Bonsaver, astróloga brasileira radicada na Argentina há 25 anos. Escreve Sandra:

Estivemos juntos talvez uma hora e meia: muito agradável, educado e "curioso, inquieto", talvez isso me fez acompanhá-lo ao passeio. O que senti claríssimo era que ele queria dar uns passos mais e conhecer um pouco mais. Caminhamos pela Avenida Corrientes, passamos em frente dos famosos teatros de revista, das luzes acesas de uma cidade que sempre foi muito noturna. Caminhamos a pé e nos dirigimos a um bar, eu terminei tomando meio uísque e ele só um café, falamos da vida de um astrólogo, como viver da Astrologia em que ele estava começando a dar seus passos, e poder viver dela feliz por estar atendendo e ajudando os outros.

Jayme Carvalho

Esta matéria não seria possível sem a liberação de textos e fotos por Renata Lins, Martha Pires Ferreira e Silvia Ceres.

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