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             Rápido, esfuziante, cabelos desalinhados 
              e vermelhos, ele é a mais pura expressão de energia. 
              Mas o que o Fogo teria a dizer se aparecesse de repente no consultório 
              para fazer terapia?  
            Havíamos marcado uma hora. Num arroubo ímpar, 
              ele queria se compreender melhor e eu, ansiosa pela oportunidade 
              de ver em pessoa aquele ser de luz, aceitei de pronto!  
            Adentrou meu consultório, precedido por uma 
              onda de calor que aumentou, e muito, a temperatura ambiente. Rápido, 
              esfuziante, cabelos desalinhados e vermelhos, era a mais pura expressão 
              da energia. O corpo ágil e musculoso tinha a pele tostada 
              e brilhante. E o olhar... Que olhar! Despejava faíscas onde 
              pousava. Daí a irrequietude e inconstância, com que 
              livrava os objetos de uma provável combustão. 
            
            Ao abrir a porta da sala, já me sentia contaminada 
              por seu entusiasmo, mas um pouco apreensiva sobre qual lugar poderia 
              oferecer para seu repouso, sem risco de incêndio. 
            Ele mesmo, cheio da mais pura iniciativa, ofereceu 
              a solução. 
            -Prefiro conversar em pé. Assim, andando, 
              minha natural impaciência vai se acalmando aos poucos. 
            E, sem precisar de estímulo, iniciou um longo 
              discurso sobre si mesmo. 
               
              Timidamente, interrompi seu monólogo lembrando-o de que ali 
              estava para conhecer melhor a si mesmo e que, portanto, eu iria 
              tentar espelhá-lo. 
            -Sim, sei que sou meu centro especial de referência, 
              mas não imagina como necessito de suas palavras para incentivar-me! 
             
            E assim ficamos grande parte do tempo. Um leve comentário 
              meu pareceu impulsioná-lo a contar sua vida desde a existência 
              do Sol, seu pai, passando pela forma que os homens lhe deram ao 
              descobrir a fagulha e toda a história de seus feitos pelo 
              mundo. Guerras, esportes, máquinas, utensílios, conquistas 
              e afirmações me deixavam quase sem fôlego, imantada 
              que estava com tamanha demonstração de autoconfiança! 
            Aos poucos, foi-se acalmando e sentou-se sobre o 
              mármore da varanda.  
            Como não ocorrera até então, 
              seu brilho pareceu concentrar-se e um halo de calor circulou por 
              igual, em torno de seu corpo, agora mais tranqüilo.  
            Suas palavras pareciam fluir com tanta convicção 
              que se tornava impossível não acatar o que dizia. 
              Nesta altura chamei sua atenção para a força 
              e para a autoridade que emanava na medida em que a impaciência 
              o abandonava. 
            -É, dizem que nesses momentos me torno muito 
              parecido com meu pai. Acrescentou com orgulho. 
            Pude sentir, então, seu maior magnetismo. 
              Meus olhos não se cansavam de admirar a reverberação 
              da Luz que imantava todas as coisas que existiam a partir de seu 
              brilho. 
            Foi então que a tarde começou a cair 
              e as sombras contrastavam através do reflexo daquele ser 
              que se transmutava. O jovem rubro que ali chegara mergulhava em 
              luz azul e esta se elevava. Seu calor era calmo e brando quando 
              falou. 
            -Veja, estou tranqüilo agora. Já sei 
              mais sobre mim e não temo o apagar da chama. Posso guardar 
              a energia e passá-la a meus filhos, e já não 
              preciso de tanto ar. 
            -Falemos baixo. Em breve precisarei partir em busca 
              de novos espaços para repassar minhas experiências. 
             
            -Sinto-me pleno a partir de dentro mas ainda quero 
              lhe falar sobre meus encontros. 
               
              Com vivo interesse, debrucei-me para ouvi-lo. Agora, ele se parecia 
              com a chama de uma vela, e seu brilho trêmulo me enchia de 
              respeito.  
            -Veja bem, disse. Ao longo de minhas experiências 
              tenho encontrado alguns parceiros. Água me encanta e envaidece. 
              Ela me reflete o brilho e me acalma, mas nos desgastamos se tivermos 
              excessiva convivência. Ela é suave e percebo que se 
              aquece tão rápido em nossos encontros que muitas vezes 
              acabei sozinho, pois a fiz desaparecer com meus arroubos. Algumas 
              outras, ela me anulou. Veio defendida e despejou-se sobre meu brilho, 
              apagando-me a vida. Mas aprendemos muito com esta convivência. 
              O respeito que desenvolvemos em trabalho conjunto vale, para os 
              homens, as chuvas de verão. 
            -O Ar, você e eu acabamos de ver e sentir. 
              Um pouco de cada um de nós em gradação constante 
              é bom e belo, e o excesso de um pede a calma do outro, na 
              medida exata da busca de equilíbrio. Aprendemos a ajustar-nos 
              um ao outro. 
            
               
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                -Terra, esta sim é desafio. 
                  Já me engoliu e me sufocou nas entranhas e demos ao Homem 
                  o espetáculo, nem só benfazejo, dos vulcões. 
                  E para não torná-la totalmente estéril 
                  tivemos que pedir auxílio aos outros. Quase nos destruímos. 
                  Entretanto, moldamos juntos peças de arte e utilitários! 
                  Que a história o diga. | 
               
             
            Ele então se levantou. Prometeu que indicaria 
              meus serviços a seus parceiros. Passou pela porta deixando 
              um rastro cálido que aumentava em ardor enquanto se movia. 
              Não partiu tão rápido como havia entrado, mas 
              sem conter a curiosidade cheguei à janela e pude vê-lo 
              novamente incandescente e rubro ao retomar a liberdade pelo espaço. 
             
            Ao meu irmão Gustavo, o belo e bom fogo criador 
              que, por ter acendido tantas luzes, jamais se apagará. Angela 
              Schnoor.  
             
              
 
            
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