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ASTROLOGIA E ANTROPOLOGIA

Crenças e tabus: o zodíaco frente à cultura

Carlos Hollanda

 

Escorpião, o Senhor dos Tabus

Assim como no caso dos elementos, os signos também estão presentes em circunstâncias e realidades comuns a todas as culturas e, em outros casos, até à própria natureza humana. Exemplificando: todos sentem fome e sede, todos precisam se alimentar. O modo como o alimento é preparado, consumido ou repudiado depende muito da cultura de cada povo. Já a necessidade de comer é um processo fisiológico, apesar de a quantidade e freqüência da alimentação variar também de cultura para cultura. Câncer, no sistema de símbolos de que a Astrologia faz uso, é o signo que tem maior afinidade com a idéia de matar a fome, de ingerir, de pôr algo no estômago. Aliás, Câncer é o signo que rege, isto é, tem afinidade simbólica com o estômago e parte do sistema digestivo. Isso mostra que invariavelmente, dentro do contexto do sistema de correspondências de que estamos falando, o símbolo tem as mesmas analogias para todos os povos e todos os indivíduos, não importando a cultura. A fome leva a comer. O que é "bom" ou "mau" para comer, o que comer, e como, é outra história: depende da cultura.

Observação: Não confundir analogia simbólica com influência. Signos e planetas têm atributos que guardam analogia com comportamentos e processos da realidade material e social, mas não influenciam, ou seja, não são a causa que produz determinados efeitos.

Câncer também é análogo à necessidade de abrigo, de refúgio, e isto é uma característica natural, independente da faculdade humana de produzir cultura. Não só o homem, como todos os animais buscam abrigo de algum modo. Alguns abrem tocas, outros abrigam-se em cavernas. Há aqueles que não se utilizam de abrigos no sentido literal, mas mantêm-se unidos aos seus grupos ou manadas, como forma de buscar uma segurança relativa. Com o Homem, apesar de os aspectos culturais alterarem a forma de abrigar-se, a necessidade de abrigo é imperiosa para garantir a sobrevivência. A cultura, no entanto, pode forçar alguns ao desterro temporário ou permanente. Pode também levar o indivíduo a buscar a exposição pública como forma de realização de sua necessidade de segurança.

Ciúme é um sentimento cujos motivos podem variar de cultura para cultura e até de indivíduo para indivíduo. Todavia é um sentimento que existe e se manifesta com maior ou menor freqüência em todos. Tirando as mais diversas especulações filosóficas em torno de qual signo tem maior afinidade com o conceito de uma emoção forte e dolorosa como o ciúme, a maioria dos estudiosos concorda que o signo de Escorpião tem com ele grande similaridade. Não exatamente e nem exclusivamente com o ciúme, mas com a intensidade emocional que ele representa, sendo Escorpião é o representativo simbólico mais adequado para defini-lo. Isso não dá a este signo o caráter de pernicioso, exceto quando, numa dada cultura, a relação que se tem com as emoções fortes é pouco compreendida. Além disso, um mesmo signo não tem apenas uma conotação.

Escorpião também está relacionado a um outro conceito comum em todas as culturas: os tabus e o que fazer em relação a eles. No sentido fisiológico está relacionado a uma função inerente a qualquer criatura viva: a excreção. Notem que os tabus em sua maioria referem-se justamente àquilo que o corpo humano segrega ou expele. No entanto, é possível que haja alguma sociedade onde não seja tabu o contato com as excreções, mas de qualquer forma, tenho certeza, haverá algum tipo de tabu. Isso ocorre, porque, uma vez que a cultura existe, ela se encarrega de separar aquilo que é "alto" do "baixo", o "sagrado" do "profano" e busca, a todo custo, evitar a "contaminação".

Muitas vezes o tabu é o casamento entre pessoas de nacionalidades ou religiões diferentes, mas é tabu, e isso é assunto que tem suas correspondências astrológicas bastante definidas. Estes tabus são justamente os processos que podemos relacionar simbolicamente com os planetas Urano, Netuno e Plutão. Plutão, o Hades, o deus dos infernos , na mitologia greco-romana, seria, neste caso, o mais sugestivo representante do conceito, pois lida justamente com a noção do "baixo", do impuro. Plutão é o regente de Escorpião. Não é à toa que muitos médicos e psicólogos têm preponderância destes símbolos no mapa astrológico. Lidar com doenças (a ameaça do contágio do impuro) e buscar a cura é atributo do médico. Lidar com os recalques e problemas psicológicos derivados justamente dos tabus sociais (como a sexualidade e outros) é lidar também com este elemento ameaçador ao senso comum.

Desse modo, acabamos por perceber uma outra analogia entre a função simbólica e a natureza: a reciclagem. Não a reciclagem industrial em prol da Ecologia, apesar de esta também ser associada a Escorpião. Falo da reciclagem natural, na decomposição da matéria e em seu aproveitamento no ressurgir da vida. Vendo sob este prisma, tanto o médico quanto o psicólogo, como análogos ao signo, são aqueles que estão em contato com o profano, para redimi-lo e purificá-lo, isto é, para trabalhar em prol do bem-estar do sistema como um todo.

O paradoxo aqui é que o sistema astrológico foi criado e depois acrescido de símbolos, por várias culturas diferentes, o que o torna, por excelência, um produto da cultura, não uma conseqüência da natureza. Mas é um produto da cultura que permite que a analisemos distanciadamente, sob diversos pontos de vista, tendo, ainda, correspondência com quaisquer níveis de realidade.

Entre as referências bibliográficas obrigatórias para uma boa compreensão da relatividade cultural está a obra do antropólogo francês Claude Lévi-Strauss, que chegou a desenvolver muitas pesquisas de campo no Brasil. (foto: Academia Francesa)

Referências Bibliográficas e sites da Internet

BARROS LARAIA, R. Cultura - Um Conceito Antropológico. Jorge Zahar, Rio de Janeiro, 1986.
CAMPBELL, J. O Poder do Mito. Palas Athena, São Paulo, 1988.
DA MATTA, R. Ensaios de Antropologia Estrutural. Vozes, Petrópolis, 1973.
ELIADE, M. O Sagrado e o Profano - A essência das Religiões. Martins Fontes, São Paulo, 2001.
GIDDENS, A. As Conseqüências da Modernidade. Unesp, São Paulo, 1990.
LÉVI-STRAUSS, C. Antropologia Estrutural. Tempo Brasileiro, Brasília, 1970.
MARCUSE, H. Eros e Civilização. Rio de Janeiro, Zahar, 1968.
RODRIGUES, J.C. Tabu do Corpo. Dois Pontos, Rio de Janeiro, 1986.
VIGOTSKII, L.R.; Luria, A.R.; LEONTIEV, A.N. Linguagem, Desenvolvimento e Aprendizagem. Ícone, São Paulo, 1998.
Sobre Pavlov e o reflexo condicionado:
http://www.epub.org.br/cm/n09/mente/pavlov.htm

1 - Introdução
2 - A cultura e a baba que escorre da boca
3 - Astrologia: tão ambígua quanto um sapo
4 - Os significadores astrológicos dependem do contexto cultural
5 - A relação da cultura com símbolos zodiacais
6 - A cultura e os eixos Gêmeos-Sagitário e Câncer-Capricórnio
7 - Os significadores de cultura
8 - Placebos, crenças, sistemas peritos e o cachorro de Pavlov
9 - Reflexo Condicionado: o Homem é muito mais passível que os animais
10 - A oposição entre Plutão e Saturno no eixo Gêmeos-Sagitário
11 - O ser humano como um ator múltiplo, mas inconsciente
12 - Escorpião, o Senhor dos Tabus

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