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AYRTON SENNA, UM COMETA ARIANO

O dia em que São Paulo parou

Fernando Fernandes

 

Com a morte nas pistas e o impressionante cortejo fúnebre pelas ruas de São Paulo, Senna atualizou o mito do herói sacrificado e permitiu à população de São Paulo cometer um ato de antropofagia.

Na manhã de 4 de maio de 1994 aconteceu uma das mais impressionantes manifestações populares da vida de São Paulo. O cortejo fúnebre com o esquife do piloto Ayrton Senna cruzava a cidade. Multidões foram para as ruas num estado de comoção cujo único paralelo fora a morte de Tancredo Neves, nove anos antes.

Como se sabe, há várias hipóteses para o horário de fundação de São Paulo. Acontecimentos como o funeral de Senna são oportunidades de verificarmos na prática a validade dessas hipóteses, partindo do princípio de que um evento de tal repercussão certamente deve corresponder a alguma forma de ativação poderosa na carta da cidade.

A hipótese que utilizo é de que a fundação tenha ocorrido com o Ascendente na segunda metade de Áries, em oposição a Urano. Utilizando o horário das 10h28 LMT, temos o vigésimo grau de Áries no Ascendente, e é este mapa que, combinado com a carta natal de Ayrton Senna, apresenta alguns resultados interessantes. O Saturno de Senna cai sobre Vênus no Meio-Céu de São Paulo, indicando uma admiração respeitosa e uma relação durável. A cidade é fiel a seu ídolo. Os dois Martes estão em conjunção e, como o Marte de Senna recebe uma oposição de Urano, esta oposição também é recebida pelo Marte e pelo Mercúrio de São Paulo, o que significa que o piloto excitava e eletrizava a cidade onde nasceu. O Sol de Senna em oposição ao Júpiter da cidade é um aspecto de entrega e exageros. Como o Sol de Senna está na casa 12 da cidade, alguma forma de perda poderia ser esperada.

Carta interna: São Paulo, fundação - 25.1.1554, 10h28 LMT - 23s32, 46w37. Planetas no círculo externo: mapa natal de Ayrton Senna. Além desta hipóse para fundação de São Paulo, adotada pelo autor, existem ainda as de Raul V. Martinez e Barbara Abramo, que podem ser vistas na edição 20 de Constelar.

Todavia, é quando comparamos o mapa de São Paulo, na hipótese das 10h28, com o mapa do funeral de Senna que a revelação se faz mais nítida. São Paulo vivia, naquele ano, o trânsito de Urano e Netuno por sua casa 10, ainda próximos do Meio-Céu. Estes planetas ativavam, por quadratura, Urano e Lua do mapa radical da cidade. Para citarmos apenas mais um aspecto, o Sol em trânsito passava, naquela manhã, exatamente sobre Netuno na casa 1 da cidade.

Carta interna: São Paulo, fundação - 25.1.1554, 10h28 LMT - 23s32, 46w37. Planetas no círculo externo: trânsitos para as 10h45 da manhã de 4.5.1994, durante o funeral de Ayrton Senna, cujo esquife desfilou em carro aberto pelas principais vias da cidade.

São Paulo teve seu começo numa cerimônia religiosa. Como começos são representados pela casa 1, Netuno no final desta casa é um bom símbolo para o núcleo de jesuítas que, com uma prece ao ar livre e a construção de uma tapera de taipa, riscaram o ponto de partida da grande metrópole. A ativação de Netuno radical pelo Sol, assim como a passagem de Netuno em trânsito pelo Meio-Céu da cidade, falam de um ritual religioso. E foi nisso que o funeral de Senna se transformou: um enorme ritual de louvor ao herói sacrificado, um ato de purificação coletiva em que a cidade lavou suas dores e, simbolicamente, reinvestiu de sentido sua própria imagem - seu Ascendente em Áries, vivificado por Senna, que fez o papel do mártir ariano . Netuno transitando no Meio-Céu e já ativando a Lua radical paulistana também fala de perdas - não a perda plutoniana, que soa como mutilação e descida infernal, mas a perda netuniana, em que o objeto querido se desmaterializa num nível mais objetivo para ressurgir, mais pleno e luminoso, num plano inalcançável.

Se São Paulo investiu tanto afeto em Senna, se chorou com tanta intensidade a perda do herói-mártir, é porque a cidade precisava, no fundo, voltar a suas origens e passar por um recomeço. E eis uma constatação surpreendente: Senna era tão ariano quanto José de Anchieta, o fundador da cidade. Seres tão diferentes, ambos corporificavam o mesmo princípio. Eram pioneiros e guerreiros, cada um a seu modo. E os rituais em louvor do herói sacrificado funcionam mais ou menos como os atos de antropofagia dos índios brasileiros: são mecanismos simbólicos de absorção da força daquele que se entrega em holocausto. Como numa missa pagã, São Paulo comeu a carne e bebeu o sangue de Senna no dia 4 de maio de 1994.

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