Fernando Fernandes

A importância de Saturno na dramaturgia

Mas a dramaturgia de Maria Clara não foi apenas uma exibição inconseqüente e descompromissada de criatividade. Não era apenas o exercício lúdico da imaginação. Tratava-se de uma escritora disciplinada, capaz de estruturar uma peça com absoluta competência de artesã, amarrando personagens e situações numa teia sólida, onde nada é dispensável. Como diretora de espetáculos e como professora, Maria Clara demonstrou o mesmo sentido de ordem, de articulação lógica, de distinção entre o essencial e o acessório. Em seu mapa, percebemos que tais qualidades guardam relação direta com o aspecto de Saturno em Virgem em oposição a Mercúrio em Peixes.

Saturno é o planeta do tempo, e a correta percepção do tempo - o timing, para utilizar a expressão em voga - é requisito absolutamente essencial para um dramaturgo. Escrever uma peça exige distribuir os episódios de uma história num tempo real (o da duração do espetáculo) para criar uma impressão psicológica que mantenha a platéia ligada e cúmplice. Esta é a dimensão saturnina do domínio cênico, o "esqueleto" de qualquer espetáculo. O dramaturgo em pleno domínio de seu ofício é, via de regra, econômico com as palavras e privilegia a ação, em vez de usar seus personagens como meros cabides de idéias.

O disciplinado Saturno em Virgem de Maria Clara provavelmente em muito a auxiliou a inventar histórias com uma forte espinha dorsal, capaz de canalizar a fantasia vivaz de Mercúrio em Peixes. Suas peças são obras-primas de concisão, onde é quase impossível retirar uma cena sem comprometer a compreensão do todo: não há cenas desnecessárias, não há verborragia, não há diálogos gratuitos. Não fosse a oposição de Saturno a Mercúrio, talvez Maria Clara escrevesse poesia em vez de teatro. É este aspecto que dá o suporte técnico ao ato lúdico e permite que textos como Pluft, o Fantasminha mantenham o atrativo diante de tantas gerações de crianças.

Já a atuação de Maria Clara na formação de atores e na produção de espetáculos revela novas facetas de seu mapa. Como idealizadora do "útero artístico", que é o Tablado, foi antes de tudo um tipo lunar - a mãe no sentido amplo, a nutridora, a que cria as condições para a semente germinar. Como a professora exigente, se bem que paciente, que estimulava o apuro técnico de futuros atores e dava-lhes as ferramentas para enfrentar o mercado de trabalho, juntou a praticidade terráquea de Marte-Vênus em Touro ao espírito crítico igualmente terráqueo de Júpiter-Saturno em Virgem. Ao acreditar no próprio sonho e no sonho de milhares de jovens que queriam fazer teatro, foi Lua-Netuno em Aquário-Leão, e foi também a expressão da doce ousadia de Mercúrio-Urano em Peixes. Ao arremeter contra a mesmice pseudopedagógica do teatro infantil de seu tempo, ao identificar-se plenamente com a mente imprevisível de seus pequenos espectadores - e, principalmente, ao contribuir com algo de absolutamente novo para a cultura do país, foi a mulher que viveu intensamente seu Sol em Áries.

Maria Clara deixou o mundo em 2001, mas seu Sol não se extinguirá: continua, com a energia primaveril de Áries, a iluminar cada palco deste país onde se monte uma peça infantil.

Navegação reversa:

Introdução
Tablado: Como se fosse o baú da vovó...
O Lobo Mau não era um estuprador
A improvisação no mapa de Maria Clara

 

Na montagem: Maria Clara Machado e desenho de criança de 5 anos que assistiu A menina e o vento.

Leia outros artigos de Fernando Fernandes.