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MARIA CLARA MACHADO

A ariana que inventou Pluft, o Fantasminha

Fernando Fernandes

 

Como se fosse o baú da vovó...

CONSTELAR - Por que o Tablado era tão especial em comparação com as outras escolas de teatro?

MÁRCIO - Uma das diferenças é que a Maria Clara tinha um teatro próprio, que já dava ao ator a possibilidade de praticar e se apresentar para o público. Os espetáculos que ela fazia eram muito bons, ela praticamente foi a fundadora do teatro infantil no Brasil.

Uma rápida pesquisa na Internet revelou notícias e fotos de montagens recentes de Pluft, o Fantasminha de Roraima ao Rio Grande do Sul. Para ilustrar, eis duas fotos de divulgação de montagens em Brasília, respectivamente dos grupos Neia e Nando (acima) e de ex-alunos da Escola de Teatro da UnB (abaixo)...
...Mas também poderia ser em Santarém, Uberlândia, Ponta Porã ou Feira de Santana. A magia das peças de Maria Clara Machado não se desgasta com o tempo.

CONSTELAR - Qual era a metodologia de trabalho de Maria Clara na formação do ator?

MÁRCIO - O tempo inteiro ela estimulava a imaginação. O forte do curso era a improvisação. Ela desenvolvia no ator uma capacidade de resolver problemas cênicos, de reagir criativamente ao desafio do palco. Éramos todos adolescentes, e Maria Clara era uma mestra para lidar com essa faixa de idade.

CONSTELAR - O que você quer dizer exatamente com "reagir criativamente ao desafio do palco"?

MÁRCIO - Só pra exemplificar: um dos exercícios do curso era imaginar que havia um vaso com uma florzinha, e que de repente a florzinha começava a crescer, crescer, crescer, e virava uma planta carnívora monstruosa, que assustava todo mundo e botava todos para correr. Pra entrar na proposta do exercício já era preciso soltar a imaginação, embarcar na fantasia.

CONSTELAR - Os exercícios de improvisação dos Cadernos de Teatro que o Tablado editava influenciaram praticamente todos os professores de Educação Artística, não?

MÁRCIO - Sem dúvida. Fiquei lá dois anos, e a experiência do Tablado me ajudou muito nos primeiros passos do teatro profissional, além de influenciar minha atuação mais tarde como professor de teatro. Mesmo como ator e diretor de espetáculos, sempre usei muito o recurso da improvisação, que aprendi a valorizar com a Maria Clara.

CONSTELAR - No contato pessoal, como ela era?

MÁRCIO - Era uma pessoa cativante, porque defendia com muita veemência a fantasia da criança. Dizia que, se a criança acreditava em Papai Noel ou em contos de fada, não temos que destruir isso e obrigá-la a ser adulta precocemente. Ela era uma cúmplice da imaginação infantil.

CONSTELAR - Esse é o lado mais empolgado, mais passional. Mas não havia também um lado sério, cobrador?

MÁRCIO - Maria Clara tinha muito convicção no que fazia, era muito apaixonada e passava essa paixão pra nós. Ao mesmo tempo, era muito rigorosa. Ela ensinava, por exemplo, que teatro é rito, é concentração. Adquiri com ela a consciência de que é preciso respeitar a experiência que está sendo vivida no palco. Entrar no teatro é como entrar na igreja, é quase uma vivência sagrada. A Clara nos ensinava a entrar no ensaio do colega, por exemplo, com respeito, em silêncio, de forma disciplinada. E também era muito reservada. Pensando bem, percebo agora que não sabíamos nada de sua vida pessoal, é como se ela vivesse para o teatro. Por outro lado, também respeitava muito os limites pessoais de cada um. A Clara era muito alegre, e o Tablado era um lugar aconchegante. Mas o ambiente do Tablado não era uma farra.

CONSTELAR - Severo mas aconchegante...

MÁRCIO - Pra nós era como se fosse o baú da vovó, o sótão da casa, uma espécie de mistério. Eu ia para as aulas numa expectativa gostosa, de qual seria a descoberta que iria fazer naquele dia. O teatro que Maria Clara propunha tinha essa profundidade, havia sempre alguma coisa a descobrir. Lembro que atores adultos e já consagrados às vezes voltavam ao Tablado para participar de alguma montagem.

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