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BANDEIRANTES, JESUÍTAS, ÍNDIOS E ESMERALDAS

Oficinas de florestas e deuses da chuva

Fernando Fernandes

 

Um rápido perfil dos bandeirantes, os homens que abriram caminho para a anexação territorial de metade do Brasil e enfrentaram os riscos da floresta, as tribos nativas, a oposição dos padres jesuítas e a concorrência de aventureiros de toda parte.

Tropeiros da época da mineração retratados por Rugendas. As tropas de burros foram um recurso vital para a ocupação do interior iniciada pelos bandeirantes.

Bem que os homens trazidos por Martim Afonso de Souza tentaram, mas a estreita faixa litorânea da capitania de São Vicente não apresentava, ao contrário do litoral nordestino, solos e condições climáticas propícios à produção açucareira. Além disso, Pernambuco estava muito mais próximo da Europa, do que resultava um custo menor para o transporte das mercadorias de exportação. A vida nas terras da baixada não apresentava grandes perspectivas. Era preciso subir a muralha da serra do Mar. E lá no alto, a partir do colégio jesuítico fundado por Nóbrega e Anchieta, desenvolve-se a vila de Piratininga de homens rústicos, que tomavam à força as mulheres nativas para gerar com elas uma povo de mamelucos [*] que reunia a ambição aventureira do português à familiaridade com a natureza das tribos autóctones.

[*] Mameluco ou mamaluco - Mestiço, filho de índio com branco. No período colonial, os paulistas são freqüentemente chamados de mamelucos ou mamalucos.

A economia era de subsistência. Não havia recursos para comprar os negros chegados da África, um luxo muito dispendioso para os bolsos locais. Apesar da ferrenha oposição dos jesuítas, a solução era apresar os índios e utilizá-los como força de trabalho na lavoura e na pecuária. E montaram-se expedições que precisavam avançar cada vez mais para o interior da selva, na medida em esgotavam-se as reservas de braços indígenas nas regiões mais próximas da vila. Ao contrário das expedições oficiais da coroa portuguesa - as entradas - estas eram financiadas e organizadas por particulares: são as bandeiras.

O planalto paulista funcionou durante todo o século XVII como um foco gerador de bandeiras que se espalharam em todas as direções. Este caráter centrífugo e expansor do núcleo paulista permite associá-lo de imediato com o princípio masculino presente nos signos de Fogo e Ar, especialmente Áries e Sagitário.

Em 1597 ocorre a conjunção Urano-Plutão em Áries. É sob este aspecto que o bandeirismo abandona o caráter defensivo que tivera até então (pequenas incursões nos arredores para combate e captura das tribos que ameaçavam a vila) e torna-se ofensivo, voltando-se cada vez mais para as vastas extensões do sertão. Durante todo o século XVII, enquanto ainda não se descobriam os grandes veios de ouro, o grande objetivo das bandeiras é o apresamento dos índios necessários ao trabalho na lavoura. Como afirma Sérgio Buarque de Holanda:

Possuir escravos índios constituía índice de abastança e de poder que seriam proporcionais ao número de "peças" possuídas. O regime servil era o único então compreendido pela mentalidade dos colonos. De nada valiam as ordens promulgadas pela Coroa, garantindo a liberdade dos nativos (...), influenciadas pelos princípios jesuíticos de proteção ao índio. Seria permitida pelo rei a "guerra justa", tornando-se legal somente a escravização do gentio [*] que assaltasse portugueses e índios pacificados. A guerra justa, seria fácil provocá-la! Simples pretexto que se tornou letra morta entre os sertanistas de São Paulo. Assim, foram burladas todas as disposições da Coroa. [HOLANDA, Sérgio Buarque de (org.). História Geral da Civilização Brasileira, Tomo I. SP, Difel, 1960.]

[*] Gentio: povos não cristãos, índios.

Amador Bueno, conforme retratado em livro de Aureliano Leite.

Contra a escravização pura e simples, levantavam-se os jesuítas, defensores intransigentes da integração social e econômica do índio através da catequese. Os conflitos entre jesuítas e colonos vão num crescendo por quase noventa anos, até culminarem em 1641 com a "botada dos padres fora", ou seja, com sua expulsão do território paulista, e com uma precoce tentativa de proclamação do Reino de São Paulo que só não é levada adiante porque o "rei" escolhido pelo povo, Amador Bueno da Ribeira, recusa terminantemente a indicação. Assim, São Paulo livrou-se de seus próprios fundadores. O episódio corresponde ao trânsito de Saturno pelos últimos graus de Aquário, em conjunção com o futuro Ascendente do Brasil (carta do Grito do Ipiranga) e já ativando também o Plutão da carta de São Paulo.

Nos dois anos anteriores, quando as rivalidades foram-se acentuando, Saturno transitara sobre Sol, Mercúrio e, finalmente, Marte da carta radical de São Paulo. Ao mesmo tempo, Urano fazia a transição de Libra para Escorpião, ativando a Lua radical de 1554. O trânsito de Saturno é importante porque mostra uma ação restritiva (Saturno, o limite ou o impedimento) sobre um Marte que rege ou está no Ascendente da cidade. Como a vila surgiu a partir de um colégio jesuítico, Marte simboliza exatamente este grupo fundador, ou seja, a comunidade (Marte em Aquário) dos padres da Companhia de Jesus. A ativação da Lua por Urano indica, por outro lado, o efeito liberador que a expulsão dos padres provocaria: a partir daquele momento, os colonos estariam mais à vontade para seguir sua inclinação natural em favor da ação apresadora através de meios violentos. A grande conseqüência seria a expansão cada vez maior das fronteiras brasileiras, fruto da marcha dos bandeirantes para a exploração do sertão remoto. É a época de expedições de uma audácia inimaginável, como a de Raposo Tavares, entre 1648 e 1652, que internou-se pelo Paraguai, chegou às encostas dos Andes, em pleno território espanhol, e acabou saindo na região amazônica. A lembrança dos bandeirantes deste período resiste até hoje no nome das estradas que saem de São Paulo no rumo do interior, como a Raposo Tavares, a Anhangüera e a Fernão Dias.

A corrida do ouro e a guerra da cobiça


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