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MILTON NASCIMENTO & FERNANDO BRANT

Bola de meia, bola de gude

Carlos Hollanda

 

A sombria solidão de quem esquece a criança interior

Entrar num mundo onde as coisas não sejam repetitivas e onde é preciso ter a fé de que haverá alternativas caso algo falhe é um desafio terrível para aqueles que descartam sua casa 4 ou seu lado Câncer dentro de si. Mas, como se sabe, não é somente Câncer que representa estágios infantis da alma. Temos a idéia de infância em Áries e também em Leão, muito embora este último represente também a transição da infância para a adolescência com todo seu romantismo. Em todo caso, descartar esse aspecto infantil é descartar o Câncer, o Áries e o Leão de si mesmo e condenar-se a viver num mundo sem cor onde tudo é controlável. Pura ilusão! Nem tudo é controlável pelo intelecto nem pelas instituições que a humanidade criou ao longo dos séculos.

E me fala de coisas bonitas
Que eu acredito que não deixarão de existir
Amizade, palavra, respeito, caráter,
Bondade, alegria e amor
Pois não posso, não devo, não quero
Viver como toda essa gente insiste em viver
E não posso aceitar sossegado
Qualquer sacanagem ser coisa normal

Acima temos o lado poético de nosso signo de Câncer, onde quer que ele se encontre em nosso mapa. A relação é mesmo a de Júpiter exaltado em Câncer: a confiança, a fé no melhor do ser humano, bem como a percepção de que é preciso ser ético e de que é preciso fazer algo para mudar o mundo. Não se trata de mudar no sentido de destruí-lo, mas no de trazer de volta uma "era de ouro" do passado, da infância - ainda que seja a infância da humanidade - e distribuir, tal qual uma mãe aleitadora, as benesses para o maior número possível de pessoas.

Bola de meia
Bola de gude
O solidário não quer solidão
Toda vez que a tristeza me alcança
O menino me dá a mão
Há um menino
Há um moleque
Morando sempre no meu coração
Toda vez que o adulto fraqueja
Ele vem prá me dar a mão

Há períodos em nossas vidas em que nos encontramos impedidos de exercer a capacidade de alterar o mundo à nossa volta ou em que não nos é permitido trabalhar, seja lá qual for o motivo. Jung certa vez falou a respeito de um período assim [Memórias, Sonhos, Reflexões, ed. Nova Fronteira.]. Ele fora forçado, segundo suas próprias palavras, a "brincar", sem que houvesse como trabalhar, durante uma época. Como todos nós ocorre sempre algo semelhante numa parte de nossas vidas. Alguns podem encarar algo assim como uma humilhação, ter que "agir como criança". Que oportunidade perdida! É a oportunidade de reencontrar essa criança interior, quase órfã de si mesma, que então se manifesta e pode vir a oferecer um horizonte mais amplo, mudando-nos a perspectiva.

Milton Nascimento - 26/10/42, 6h - Rio de Janeiro, RJ - 22s54, 43w12. (Fonte: Barbara Abramo) Milton nasceu no Rio mas foi criado em Três Pontas, sul de Minas. Culturalmente, é o mais mineiro dos compositores.

A criança é gregária por excelência. Sua facilidade de entrosamento é espontânea, enquanto a do adulto é condicionada por seus preconceitos e por suas tentativas de adequação à sociedade. Quem sabe se as novas associações espontaneamente formadas durante essas fases não nos transformam num novo ser humano? Afinal de contas, não tem a menor graça brincar sozinho: "o solidário não quer solidão".

Muitas vezes a solução está nas coisas mais simples. Perdemos num lado para ganharmos num outro. Ter que permanecer no topo da casa 10 ou no ápice da montanha capricorniana em detrimento de todos os demais pode ser um indicador de status e competência na sociedade moderna. Contudo, também é, para o indivíduo, a altura estonteante que, sem a base que está na casa 4, sem o aprofundamento e sem o contato com sua infância e com os demais seres humanos que dela fazem parte, fatalmente fará com que o topo da torre desabe, massacrando seu ocupante solitário. É terrível e sombria a solidão do adulto que esquece sua criança interior.

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