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ATAULFO ALVES & MÁRIO LAGO

Ai, que saudades da Amélia

Raul V. Martinez & Fernando Fernandes

 

Amélia vista por Fernando Fernandes

Amélia, musa do enorme sucesso carnavalesco de Mário Lago e Ataulfo Alves na década de quarenta, acabou virando sinônimo da mulher submissa e alienada, modelo de comportamento unanimemente rejeitado pelas feministas. Na verdade, a letra de Mário Lago retrata um homem dividido entre duas mulheres, sendo que a atual recebe os seguintes versos:

Nunca vi fazer tanta exigência
nem fazer o que você me faz
você não tem a menor consciência
nem vê que eu sou um pobre rapaz.
Você só pensa em luxo e riqueza
e tudo que você vê, você quer.

Já a mulher antiga, Amélia, é lembrada com saudade nos versos:

Ai, meu Deus, que saudades da Amélia,
Aquilo sim é que era mulher
Às vezes passava fome ao meu lado
E achava bonito não ter o que comer
E quando me via contrariado
Dizia: "Meu filho, o que se há de fazer!"

Foto de uma típica família de interior em 1942, ano em que Amélia foi um grande sucesso. Com doze filhos e todo o trabalho doméstico nas costas, a dona de casa (quinta pessoa a partir da esquerda) estava condenada a ser uma Amélia, quisesse ou não.

Antes de falar de Amélia, lembremos de outro personagem cunhado pela cultura brasileira, um personagem sem rosto mas onipresente, chamado . Ele é o brasileiro pobre, anônimo, eterna vítima de planos econômicos, morador do sertão nordestino ou dos bolsões de miséria das grandes áreas urbanas do Sudeste. é retratado por cronistas, poetas e humoristas como um tipo entre o patético e o trágico. O sentido de tragédia decorre de sua irreversível vocação para a privação e o sofrimento. A dimensão patética vem do conformismo ou da alienação, que faz sentir-se à vontade com a própria desgraça. é emotivo, sensível, passivo, simples e conformado. Simbolicamente, corresponde ao eixo Virgem-Peixes, dois signos femininos, entrando Virgem como significador da condição subalterna e Peixes, da vocação sacrificial. Dezenas de conhecidas obras da MPB retratam, aliás, este ser arquetípico, um dos personagens mais cantados do imaginário nacional.

Amélia é a contraparte feminina de Zé, também comportando valores do eixo Virgem-Peixes. Já a nova mulher, aquela que "faz tanta exigência", carrega conteúdos negativos do eixo Leão-Aquário: é voluntariosa, vaidosa, exibicionista (Leão), fortemente independente e argumentativa (Aquário), não aceitando o papel subalterno na relação.

Se lembrarmos que o mapa do Grito do Ipiranga, que marca a independência do país, apresenta Vênus em Leão, sendo Vênus o planeta significador da mulher em sua condição de objeto de desejo (e de como o homem a idealiza), podemos chegar a uma conclusão surpreendente: a mulher que estimula os desejos e fantasias do homem brasileiro não é Amélia, mas a outra. Ainda mais: a canção foi composta no Rio de Janeiro, cidade cujo mapa de fundação apresenta Vênus em Aquário. Contudo, o Sol do Brasil no crítico e discreto signo de Virgem talvez explique por que tal desejo não se realize sem conflito. Não se pode esquecer que a letra de Amélia foi escrita por um homem - e um homem do início do século, ainda despreparado para admitir a plena expressão da exuberante Vênus em Leão da mulher brasileira somada à independente e nada submissa Vênus em Aquário da mulher carioca. Veja-se ainda que, na carta do país, Marte (a iniciativa masculina) encontra-se no controlador signo de Escorpião, que mantém uma relação de harmonia com Virgem (sextil) e Peixes (trígono) ao mesmo tempo que faz quadratura (tensão) com Leão e Aquário.

Amélia não é, portanto, um símbolo da mulher brasileira, mas sim do medo do homem de nosso país em reconhecer que deseja exatamente a companheira que não se adequa aos padrões da sociedade patriarcal. Sonhamos com Leila Diniz e com a Gabriela de Jorge Amado. Mas quando essas mulheres atiradas botam as manguinhas de fora - ai, que saudades da Amélia!...

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