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CONGRESSO
Astrologia, Liberdade e
Transformaçã
o

São Paulo,
22 e 23 de março

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Título da Figura

 
 
 
ASTROLOGIA DO CONFORMISMO X ASTROLOGIA DA TRANSFORMAÇÃO

Astrologia Pocotó
(pocotó, pocotó)

Alexey Dodsworth

 

Regras para eqüinizar a astrologia

O primeiro passo é simples: seja vago. As pessoas já têm muita dor de cabeça com as coisas profundas que a vida eventualmente oferece, elas já têm que suportar o Diogo Mainardi na revista VEJA, então ofereça a elas o Tudo Que Significa Nada: primeiramente, seu discurso precisa envolver algo que pareça grandioso, mas que em verdade seja o máximo da indefinição. Grandiosidade indefinida é o elemento que permite que todas as pessoas com um mínimo de atividade neural projetem neste grande quadro branco o sonho netuniano colorido que elas mesmas criaram. Se você oferece uma imensa tela branca, elas poderão colorir a tela com a cor que quiserem, e serão muito gratas por este Imenso Nada que você lhes ofereceu. Não se esqueça de usar palavras impressionantes, mas de significado oculto e hermético. Sofistique ao máximo algo que seja muito simples, tudo isso cria um poderoso verniz de profundidade. Lembre-se: a maioria dos seres humanos sofre de neuroses profundas e são poucas as pessoas que têm a paciência de lidar com isso terapeuticamente. Se você conseguir criar um sistema de etapas mínimas, algo como um receituário milagroso, parabéns, este é seu primeiro passo. Pocotó.

Como estamos falando de embromação pura e simples, nada melhor do que beber diretamente da mais netuniana das fontes: as estruturas das religiões organizadas.

O passo - galopada, melhor dizer - seguinte envolve sobrecarregar os sentidos alheios com o máximo de explosão informativa. Isso perturbará o natural processo de pensamento crítico que até mesmo o mais limitado dos seres humanos inevitavelmente manifesta com o tempo, e ironicamente graças ao tédio. Todo mundo se entedia de tudo, e o tédio permite um distanciamento crítico. Porém, se você - candidato a astrólogo pocotó - oferecer ao outro algo muito impactante e estranho (termos complexos para coisas simples, engenhocas esquisitas que darão à astrologia um tom pseudocientífico ou mesmo psicológico-intelectual, ou mesmo elementos de culturas estranhas), o risco do tédio cairá, a mente crítica não funcionará e o seu segundo passo estará garantido. Pocotó, pocotó.

Lembre-se que, como estamos falando de embromação pura e simples, nada melhor do que beber diretamente da mais netuniana das fontes: as estruturas das religiões organizadas. Sendo assim, fale como um profeta, e não se olvide da palavra mágica, essencial para profetas e profecias: "momento de transformação". Se você diz para cada pessoa que ela está passando por um momento de mudança, a massiva maioria concordará fascinada e se jogará aos seus pés. Como foi dito no início, as pessoas querem se apegar em algo para acreditar. Assim sendo, o candidato a astrólogo pocotó precisa ser mais do que vago, precisa fazer o outro sentir-se especialíssimo. E é nesta receita infame que reside a base fundamental, a pedra lastro da astrologia eqüina: todos somos especiais, e todos os momentos são de mudança. Só que todo mundo esquece isso, e por isso mesmo que o falador do óbvio faz muito mais sucesso do que seu colega astrólogo que ousa sair do discurso vago: o falador do óbvio diz que o azul é azul, eximindo o outro do trabalho de até mesmo raciocinar a cor das cores. O astrólogo transformador é muito cansativo, chega a ser chato mesmo: ele ousará, chato que é, afirmar que o azul é uma questão de percepção e de que não adianta só dizer que algo é azul. É preciso entender o por quê. Mas são poucos os que querem enxergar por si mesmos, a maioria prefere uma figura de guru que nos diga obviedades. Se você aprende isso, seu galope está garantido: pocotó, pocotó, pocotó.

E é nesta receita infame que reside a base fundamental da astrologia eqüina: todos somos especiais, e todos os momentos são de mudança.

Mas o golpe de mestre mesmo, que lhe tornará a Grande Égua da Astrologia e lhe garantirá presença como Autoridade Máxima em rodinhas de não-pensantes, a ferradura de ouro advirá quando você conseguir estabelecer a dinâmica da paranóia nós-versus-eles. Esta é a galopada final que detona com qualquer risco de alguém ousar pensar. Mas se você cria um inimigo você mexe com o instinto primário humano de "desejar pertencer a algo especial". Neste sentido, vale tudo, mas o principal é - no que diz respeito ao meio astrológico:

1. Estabelecer a astrologia como "mais especial" e "mais científica" e torcer o nariz para todos os outros conhecimentos alternativos.

2. Transformar céticos (que, diga-se de passagem, o são com grande direito, se considerarmos o que eles conhecem como sendo astrologia) em inimigos.

3. Transformar a astrologia numa propriedade privada de patente requerida (títulos de competência específica e certificados de conclusão de curso que nem mesmo quem os pede tem - haha!) e tornar os contrários a isso Representantes do Mal.

Obedecendo a estes três requisitos, você terá garantido o seu sucesso na sociedade ocidental moderna fast e será considerando um verdadeiro mestre. O mecanismo que torna um astrólogo assim famoso é o mesmo que faz o insuportável melô da égua tocar incessantemente no rádio da vizinha, que eu não posso desligar, detonando meus ouvidos e paciência.

Pocotó, pocotó, minha eguinha pocotó.

Mas se capim não faz parte de seu cardápio favorito, e se você quer mais da vida do que apenas fama e deseja ser um artista da astrologia, respire fundo: quase ninguém irá querer ouvir o que você tem a dizer, porque o artista da astrologia não se limita a descrever comportamentos. O artista da astrologia, acima de tudo, demonstra que aquele comportamento nada mais é do que um cercadinho de segurança ao qual nos acostumamos. Para o explosivo, é extremamente confortável ser explosivo e esta será sua primeira reação em 90% das vezes, e ele ficará muito feliz ao se deparar com um astrólogo pocotó que lhe diga que o azul é azul: "você é explosivo porque seu Marte faz quadratura com Urano nos signos de Áries e Capricórnio".

O astrólogo - o honesto, vale dizer - se despe das roupagens de guru e cumpre seu papel de auxiliar. E se ele galopa não é como égua, e sim como centauro, como o mitológico Quíron, professor de heróis e canal de cura.

Um artista vai além disso: ele demonstra que existem muitos outros níveis de manifestação para um aspecto, e que "ser explosivo" é tão simplesmente, tão tolamente e tão limitadamente uma forma dentro de uma grande miríade de possibilidades. O artista astrológico mostra o prisma multicor de um arquétipo e acelera a consciência de seu consulente, dizendo: "Vê? Você manifesta esta qualidade, mas ela é apenas a ponta do iceberg dentro deste vasto oceano de possibilidades que você tem, mas não usa". A maioria das pessoas é como um som "3 em 1" que só é usado pra tocar fitas cassete. Ou pior: como um Pentium III que só é utilizado para acessar a internet. O astrólogo não deveria ser apenas um adivinho de características, mas acima de tudo alguém que vai além do fato, desvela o arquétipo e mostra a imensidade que é uma natureza, o quão preciosa ela pode ser se ousar sair do mesmo padrão comportamental. O astrólogo artista vai além de dizer que você fala bem porque tem Mercúrio em Gêmeos em trígono com a Lua em Aquário: ele mostra que você pode ser mais do que apenas o mero fofoqueiro da turma. Mostra que você pode mudar o mundo com a sua habilidade para as palavras. O astrólogo artista, conectado com sua grande interior, chacoalha o outro de sua inércia: "Veja! Você pode ser muito maior!".

Acima de tudo, o astrólogo artista não se vende, pois quer mais do que um pouco de gran(m)a. Ele quer dignidade, ter o sentimento de que ajudou alguém a sair da entorpecência - e enfatizo aqui o verbo "ajudar", pois na prática ninguém cura ninguém, apenas o indivíduo, se imbuído de verdadeiro querer, pode se ajudar. O astrólogo - o honesto, vale dizer - se despe das roupagens de guru e cumpre seu papel de auxiliar. E se ele galopa não é como égua, e sim como centauro, como o mitológico Quíron, professor de heróis e canal de cura. E tal coisa envolve muito esforço, dedicação, senso crítico e a honestidade de colocar-se como um estudioso, e não como um sabedor total, posto que a astrologia é mais do que um conhecimento, é uma gnose que não se aprende em livros, mas que se revela para aquele que compreende a vida como uma sucessão de milagres, a vida como muito mais do que meros fatos, mas como algo profundamente imbuído de significado.

Mas se isso aparentemente é muito trabalhoso, não se desespere, há espaço para todos, e a música que ainda toca repetidamente no rádio da minha vizinha é a da tal égua. De resto, só tenho uma coisa a dizer: desejo que as éguas nos perdoem. E a astrologia, se for uma espécie de deusa, que faça o mesmo.

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