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ASTROLOGIA NO GLOBO REPÓRTER

O jogo do morde-e-assopra

Fernando Fernandes

 

Mais escorregões do Globo Repórter

Qual seria a influência cósmica sobre nós, os terrestres? São 12 os signos do Zodíaco e todos eles têm características marcantes.

Aqui aparece um novo lugar comum: o de que astrólogos estudam influências cósmicas (também referidas popularmente como vibrações, eflúvios, fluxos astrais etc.). Trata-se de uma distorção, já que o campo de estudo da Astrologia são as correlações entre fenômenos celestes e terrestres, sem pressupor que haja entre eles, necessariamente, um nexo causal. Deixar que se pense que astrólogos levam a sério a teoria das influências é expor a Astrologia a ataques tão injustos quanto irrefutáveis, como o dos astrônomos que argumentam - e com toda a razão! - que a influência energética do corpo do obstetra sobre o bebê na hora do parto é centenas de vezes mais potente que a de planetas distantes, como Plutão. Astrólogos sabem que as coisas não funcionam exatamente assim, mas raramente conseguem impedir que os meios de comunicação lhes atribuam este discurso simplista.

E prossegue o texto do programa:

Coragem e iniciativa são qualidades atribuídas a quem nasce sob a influência de Marte, que governa Áries. O libriano tem o dom do equilíbrio, da harmonia. É o signo do ar, dominado por Vênus. Urano governa Aquário e impõe a liberdade, a vanguarda. Netuno teria dado aos piscianos a intuição, a sensibilidade. E os nossos limites? Bom, isso é com Saturno, que tem fama de durão.

A logomarca da UnB sugere Netuno, planeta de fusões e sínteses - inclusive do conhecimento científico com o paracientífico.

Certamente este texto não passou pela revisão de um astrólogo, já que não faz mais do que reforçar a concepção de que tudo se resume aos signos solares. Sabemos que não existem librianos ou piscianos, mas seres humanos complexos, que mesclam uma infinidade de traços astrológicos. O texto do Globo Repórter, apesar de ter passado uma idéia positiva da matéria, não fez a necessária distinção entre a Astrologia de caráter popular, que utiliza apenas os doze arquétipos de signos solares, e a de natureza mais técnica, onde o que conta é a delicada teia de interações entre planetas, signos e casas. Em conseqüência, é bem provável que mais gente passe a prestar atenção na coluna de horóscopo do jornal, exatamente o tipo de Astrologia que a pesquisa da Universidade de Brasília não pretendeu validar.

De acordo com os astrólogos, os astros e os planetas têm o poder de nos guiar. E tudo depende da posição do Sol na hora exata do nascimento. Mas estaria mesmo o destino de nossas vidas escrito nas estrelas?

Falso. A maioria dos astrólogos não atribui aos planetas "o poder de nos guiar" nem diria que tudo depende apenas da "posição do Sol". Muito menos teria a coragem de afirmar que "o destino de nossas vidas está escrito nas estrelas". É possível assistir a um congresso inteiro de Astrologia, ou ler centenas de páginas sobre o tema, sem encontrar tais expressões uma única vez sequer. São afirmações como estas, atribuídas indiscriminadamente a todos os astrólogos, que nos tornam vulneráveis aos ataques de astrônomos e outros cientistas. Aqui, mais uma vez o Globo Repórter reforçou percepções deturpadas.

"Existem indícios bem fortes e bem claros de que a posição dos planetas e dos astros, na hora do nascimento, influencia mesmo. Dá para tirar conclusões quanto à personalidade da pessoa", diz o coordenador da pesquisa, Paulo Celso Gomes.

Finalmente uma referência ao resto do sistema solar. O problema é a utilização, mais uma vez, da expressão influência. Quem vai aparar os tomates que todas as sociedades astronômicas certamente arremessarão? E, logo na seqüência, outra afirmação descuidada:

Paulo Celso vivia desconfiando das previsões astrológicas. Mas, depois que coordenou uma pesquisa da Universidade de Brasília (UnB), o professor passou a acreditar na influência dos astros.

Por que os meios de comunicação sempre reduzem a credibilidade da Astrologia a uma simples questão de acreditar ou não acreditar? Observe-se que este é o mesmo verbo que costuma estar presente quando se fala de fadas, duendes, anjos, espíritos, céu, inferno e tudo mais que tenha relação com o chamado mundo oculto. Uma pesquisa como a da UnB não permite acreditar, mas sim constatar, verificar, testar a validade. Mas, nas suspeitas palavras do Globo Repórter, é o próprio coordenador da pesquisa quem, ao terminá-la, em vez de constatar a efetividade dos princípios astrológicos, prefere "acreditar nos astros", como se fosse apenas uma questão de fé.

Estamos sendo pessismistas demais? Talvez. Todo o restante da matéria, incluindo a apresentação de dois casos de pessoas que confirmaram plenamente as previsões do astrólogo, foi muito estimulante como sinal de uma mudança de postura sobre o tema. Mas o programa do Globo Repórter mostrou que os velhos vícios de avaliação da Astrologia pelos meios de comunicação continuam de pé. Se Francisco Seabra merece um 10 pelo seu trabalho, a Rede Globo fica, por enquanto, com uma desconfiada nota 5.

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