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A dupla chama: amor e erotismo
AUTOR: Octavio Paz
Editora Siciliano - 196 páginas - 1994

A consciência humana

Desde que o homem começou a pensar, quer dizer, desde que começou a ser homem, uma silenciosa testemunha o vê pensar, gozar, sofrer e, numa palavra, viver: sua consciência. Mas que realidade tem a consciência, esse perceber o que fazemos, sentimos e pensamos?

Octavio Paz propõe que façamos uma analogia, tal como a usada por Mervin Minsky, uma das autoridades em inteligência artificial: o que chamamos de mente é um conjunto de partes diminutas como as partículas elementares que compõem o átomo; as forças que movem as partes que compõem a mente não são nem podem ser diferentes das que juntam, separam e fazem girar essas partículas. A analogia mais perfeita para a mente é, então, o circuito de chamadas e respostas em que consiste a operação de um computador. Mas faço uma outra analogia: essas pequenas partes lembram as peças de um quebra-cabeça; isoladamente não têm forma identificável mas unidas a outras vão compondo uma unidade, isto é, vão ganhando corpo e sentido. As partes que compõem a mente são móveis e, como as peças do quebra-cabeça, não sabem por que ou para que se mexem nem o que as move. Não pensam, embora sejam partes, e partes indispensáveis do pensamento. Afinal, as peças do quebra-cabeça são movidas por uma mão que sabe o que faz e para que o faz. Uma intenção inspira a mão e a cabeça do jogador. Mas no caso da mente parece que não há jogador: o eu desaparece, ou não se faz perceber pela própria mente. Já no caso de uma máquina, de uma inteligência artificial, ela não pensa, mas faz e reproduz a cadeia do pensamento sem que nada a oriente, isto é, sem uma intenção própria.

E não devemos nos esquecer, sobretudo, da relação que se dá entre a mente e o mundo ou, dito de outro modo, entre o sujeito e o seu objeto. Para que a mente comece a funcionar - na prática funciona as 24 horas do dia, incluindo as dedicadas ao sono - precisa receber um estímulo, interno ou externo. O número desses estímulos é praticamente infinito, de modo que uma possível inteligência artificial, para escolher aquilo que lhe interessa, deveria estar equipada com um seletor de objetos ou temas pensáveis que seja o equivalente ao que chamamos de sensibilidade, atenção e vontade. Essas faculdades não são puramente racionais e a segunda está impregnada de afetividade. Assim, uma máquina pensante teria de ser, além de inteligente, sensível. Na verdade, teria de se converter numa réplica exata de nossas faculdades: vontade, imaginação, entendimento, memória etc. Por outro lado, se a máquina pensante fosse também a réplica da mente humana, haveria de todas as formas uma diferença que não hesito em chamar de imensa: a mente humana não sabe que é realmente uma máquina nem tem consciência de sê-lo; a mente acredita numa "ilusão": seu eu, sua consciência. No caso de uma máquina fabricada por um engenheiro, que classe de consciência poderia ter? Diante de um estímulo dado, a máquina pensante começaria essa série de operações que chamamos de sentir, perceber, observar, medir, escolher, combinar, desfazer, provar, decidir etc. Estas operações consistiriam em sucessivas uniões e separações, justaposições e divisões das partes que compõem a máquina até aparecer um resultado: uma idéia, um conceito. Mas quem realiza as operações que são o pensamento da máquina? Ninguém.

Einstein (centro), entre Descartes e Hegel.
Descartes, autor do Discurso sobre o Método, viveu de 1596 a 1650. O filósofo alemão G. W. F. Hegel viveu de 1770 a 1831.  

Parece que Descartes foi o primeiro que teve a idéia de ver a mente como uma máquina. Mas uma máquina dirigida por um espírito. O século XVIII concebeu o universo como um relógio manejado por um relojoeiro onisciente: Deus. A idéia de uma máquina que anda sozinha, que ninguém controla e que pode acrescentar, atenuar e mudar de direção a corrente que a move, é uma idéia do século XX. É um fato que podemos fabricar máquinas capazes de realizar certas operações mentais: os computadores. Embora ainda não tenhamos fabricado aquelas que possam se regular sozinhas, os especialistas dizem que não é impossível que logo consigamos isso. A questão é saber até onde pode chegar a inteligência dessas máquinas e quais podem ser os limites de sua autonomia. Para começar: a inteligência humana pode fabricar objetos mais inteligentes que ela própria? Se seguirmos a lógica, a resposta é negativa. Para que a inteligência humana criasse inteligências superiores a ela própria, teria de ser mais inteligente do que é. Trata-se de uma impossibilidade ao mesmo tempo lógica e ontológica. Quanto ao segundo ponto: os homens são movidos por seus desejos, ambições e projetos, mas limitados pelo poder real de sua inteligência e os meis de que dispõem. Quais poderiam ser as ambições e os desejos das máquinas pensantes? Só poderiam ser aqueles inscritos na sua fabricação por seu fabricante: o homem. A autonomia das máquinas depende, essencialmente, do homem. É uma autonomia condicionada, ou seja, não é uma verdadeira autonomia. Tanto o quebra-cabeça quanto a máquina dependem de um agente. E tem mais: a resolução do enigma que é o quebra-cabeça consiste em refazer uma figura; o jogador não inventa essa figura, mas a reconstrói a partir de seus diversos e diminutos fragmentos. Nos caso das inteligências artificiais que conhecemos, os computadores, ocorre alguma coisa parecida: suas operações obedecem a um programa, a um plano do operador da máquina. Em ambos os casos, o agente - eu, razão, alma, operador, qualquer nome - é indispensável. E assim é por duas razões: porque põe em movimento o aparelho e porque determina de antemão o campo e a natureza de suas funções e operações.

Teorias sobre o funcionamento da mente humana

Rotas de navegação deste artigo

Parte 1 - A chama vermelha: a carne do corpo
Parte 2 - A chama azul: o corpo do espírito
Parte 3 - Breve história sobre o conhecimento do Homem e do Mundo
Parte 4 - A possibilidade de convergência dos conhecimentos humanos
Parte 5 - O esquecimento da unidade e da identidade humana
Parte 6 - A consciência humana
Parte 7 - Teorias sobre o funcionamento da mente humana


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