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O PESADELO DOS TRANSGÊNICOS
Como Hades, deus do submundo, fez com Perséfone no mito grego, a poderosa Monsanto seqüestrou a soja brasileira sob o olhar complacente de Zeus, o poder omisso. A única saída que nos resta é fazer o que Hades não gosta: lançar luz sobre tudo o que está oculto.

Valeria Bustamante

 

Uma Deusa

O mito do rapto de Perséfone é muito antigo, do tempo em que os homens saíram das cavernas para cultivar a terra [1]. Existem várias versões e a mais comum é mais ou menos assim:

Demeter (foto de estátua à esquerda), irmã de Zeus, teve com ele uma filha chamada Kóre ("a jovem"). Em sua inocência, desconhecendo o perigo, Kóre encantou-se com uma flor diferente que avistou num lago escondido e afastou-se para colhê-la. "Por coincidência" naquele momento Hades, senhor das profundezas, que andava preocupado com a segurança de seu reino, sobe à superfície para tratar do assunto com Zeus. Abriu a terra, avistou Kóre, apaixonou-se, levou-a consigo.

Deméter nada sabia. Perguntou aos deuses do Olimpo, mas eles se calaram. Pranteou sua filha por nove dias e nove noites sentada sobre uma pedra, até que Hécate, sua irmã, apiedou-se dela e perguntou a Hélios, o Sol, se havia visto algo.

Hélios contou-lhe o ocorrido e Hécate pediu a Zeus que ordenasse a devolução de Kóre à superfície. Mas Zeus não o fez. Demeter então abandonou seus cuidados para com a vegetação sobre a terra e a terra tornou-se infértil, ressecada, morta.

Estando a terra já seca, Zeus percebeu que precisava agir. Mandou Mercúrio negociar com Hades a devolução de Kóre. No entanto, Kóre havia provado um pedaço do fruto do mundo subterrâneo e já não era Kóre, era agora Perséfone e pertencia ao reino das profundezas. Como não havia comido o fruto inteiro, foi feito um acordo: Perséfone passaria alguns meses com a mãe na superfície e outros com o marido, nas profundezas. Conformada com o retorno sazonal de sua filha, Demeter devolveu fertilidade à terra e o homem pôde nela trabalhar.

Uma vara de porcos passava pelo local do rapto e, como Kóre, foi tragada pelas profundezas. Os porcos, desde Creta, ou antes dela, estão intimamente ligados ao tema da deusa agrícola. Alguns povos sacrificavam porcos, atirando-os em cavernas, celebrando a manutenção do ciclo da vida. [2]

[1] Mircea Eliade, História das Crenças e das Idéias Religiosas, Tomo I, Zahar Editores, 1983.
[2] Mircea Eliade, idem.

Ilustração: representação barroca do rapto de Perséfone.

Uma Empresa

Existe no Brasil uma empresa chamada Agroceres [3]. Por coincidência, o principal produto da Agroceres são porcos. Agroceres também produz grãos. Em 24 de novembro de 1997 a MONSANTO comprou a Agroceres. [4]

A MONSANTO é uma empresa transnacional. Seus produtos são consumidos diariamente por todo o planeta: sacarina, aspartame, aspirina, químicas para papel e couro, plásticos, inseticidas, herbicidas, fertilizantes, hormônios de crescimento bovino, antibióticos, cereais, lycra, ... Sugiro uma visita ao site oficial. Ela foi uma das empresas que produziu o herbicida conhecido como "Agente Laranja", usado no Vietnã.

Atualmente a MONSANTO produz transgênicos. Modificou a soja pela adição de um gene de bactéria para que se tornasse tolerante ao herbicida glifosato (Roundup®) também fabricado por ela, que antes matava a planta. A soja modificada é Roundup Ready®. Desenvolver essa tecnologia custou caro, e os grãos foram patenteados e protegidos por um dispositivo genético que faz com que a planta esterilize sua própria semente. Assim, mesmo pagando para plantá-la, o agricultor não vira dono da coisa (leia-se o grão). [5]

"Se o grão não morre, a planta não nasce jamais". Mas e quando o grão nem nasce? Precisamos compreender essa possibilidade, pois no tênue fio de tempo que nos separa das cavernas de Creta, o homem desenvolveu ciência e tecnologia e produziu seres patenteados. Algo muito distante do ciclo da vida.

Várias questões foram levantadas por cientistas preocupados com a "mutação" forjada dos grãos. Por exemplo, os efeitos da ingestão do grão pelo ser humano e a possível contaminação, por meios naturais (pássaros etc.), do gene "exterminador" para outras plantas da região, o que as tornaria estéreis também. Outra questão é o uso do herbicida glifosato, que pode se tornar excessivo, já que não há mais necessidade de manejá-lo com cuidado para não matar a planta. O glifosato foi o principal causador de intoxicação no Brasil entre 1996 e 2000 (Ver sitio do IDEC - Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor).

[3] Ceres é a deusa romana associada a Demeter. Sobre a empresa, ver o site corporativo.
[4] Min. da Justiça, Sec. de Direito Econômico, Deptº de Proteção e Defesa Econômica, Coordenação-geral de Controle de Mercado, Ato de Concentração nº 08012.008241/97-76.
[5] Couch, Martha L. (1998). "How the Terminator Terminates: An Explanation for the Non-Scientist of a Remarkable Patent for Killing Second Generation Seeds of Crop Plants."

Uma patente


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