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MARIA CLARA MACHADO

A ariana que inventou Pluft, o Fantasminha

Fernando Fernandes

 

O Lobo Mau não era um estuprador

CONSTELAR - Nos anos setenta, as escolas de teatro eram uma espécie de espaço de liberdade, onde se discutia e se fazia muita coisa que não podia ser levado ao público, em função da censura. Neste sentido, como era o Tablado? Por exemplo, quanto à questão da droga?

O cartaz lembra A bruxinha que era boa, um dos maiores sucessos do Tablado.

MÁRCIO - Nunca ouvi falar de drogas no Tablado, acho que por causa da autoridade moral da Maria Clara. Não que ela fizesse sermão, nunca fez. Mas era uma questão do próprio comportamento dela, que acabava levando todo mundo a respeitar a instituição. Na época, a impressão que se tinha de atores e estudantes de teatro era a pior possível. Mas, em relação ao Tablado, a atitude dos pais era diferente. Eles confiavam seus filhos à orientação da Maria Clara.

CONSTELAR - Ela era ciumenta com os alunos? Tinha essa história de "o ator fulano de tal fui eu que descobri"?

MÁRCIO - Não. Era um pouquinho controladora em relação aos alunos, mas não os impedia de crescer. Mas achava que não devíamos misturar as coisas, queimar etapas. Por exemplo, ela não via com bons olhos que eu fosse aluno do Tablado e ao mesmo tempo já estivesse fazendo teatro profissional. Por outro lado, recomendava os alunos a diretores e produtores, quando achava que estavam prontos, e ia ver os espetáculos dos ex-alunos. Não me lembro de vê-la fazendo críticas destrutivas, nem diminuindo o trabalho de ninguém. Era uma profissional absolutamente ética. Mas a nós, alunos, ela criticava sim, era muito exigente quanto ao nosso desempenho nos exercícios e jogos dramáticos.

Outra coisa boa que absorvi no Tablado foi a disposição para colaborar. Ela estimulava muito a colaboração voluntária entre atores.

CONSTELAR - As peças de Maria Clara sempre têm uma ênfase muito grande na ação, em enredos cheios de peripécias. Parece que ela era mais preocupada com o pique do espetáculo do que com as "sacações cerebrais" dos anos 60 e 70, não?

MÁRCIO - Ela dizia que todo espetáculo teatral devia ter um "Acorda, Pascoal". É uma referência ao Pascoal Carlos Magno, embaixador e apaixonado pela arte, filantropo que construiu um teatro dentro de casa (o Duse, em Santa Teresa). Só que Pascoal já tinha uma certa idade e sempre acabava dormindo quando via os espetáculos. O que a Maria Clara chamava de "Acorda, Pascoal" era uma quebra de ritmo no espetáculo, alguma coisa imprevista que pegasse a platéia de surpresa, desse um susto, evitasse que tudo caísse na mesmice. Essa idéia do "Acorda, Pascoal" me marcou muito e usei demais.

Houve uma época que acusavam os textos de Maria Clara de serem pouco infantis. Mas ela dizia que a criança não era débil mental. É um ser que tem suas fantasias e tem também o direito de abrir mão delas por livre vontade.

 
Márcio Luiz (à direita, participando de manifestação cultural em Roma), desenvolveu a técnica do teatro-debate, onde a improvisação tem grande importância. Sua escola de teatro, fundada no Rio de Janeiro em 1982 com o nome de Teatro-Vida, ganhou nos anos 90 uma filial em Latina, na Itália, e destaque na imprensa local (acima).

CONSTELAR - Os grupos de teatro infantil dos anos setenta tinham umas discussões que chegavam a ser nonsense de tanta elucubração teórica. Como a Maria Clara reagia a isso?

MÁRCIO - Lembro de uma discussão uma vez, durante uma aula, em que começamos a discutir a sexualidade da Chapeuzinho Vermelho e do Lobo Mau. Teve gente na turma sugerindo que a história pode ser vista como um estupro, essas coisas. Aí a Maria Clara se colocou contra, dizendo que essa discussão não fazia sentido do ponto de vista da fantasia infantil. Ela não via a criança como débil mental, mas também não a via como um adulto em miniatura, cheio de traumas e intenções eróticas. Não estava preocupada em fazer uma abordagem psicanalítica da mente infantil: simplesmente sintonizava com a criança e embarcava na sua temática.

Maria Clara era muito observadora. Uma vez, e eu tinha uns 15 anos, no máximo, ela comentou que eu ainda seria diretor. Minha vontade era a de ser ator, a minha e a de todo mundo que estava lá, mas o observação dela realmente se concretizou.

A improvisação no mapa de Maria Clara
A importância de Saturno na dramaturgia

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