Revista Constelar Revista Constelar

 

 

 
 
 
ASTROLOGIA E REGULAMENTAÇÃO PROFISSIONAL

O céu pode esperar?

Equipe de Constelar

 
Desde 19 de junho astrólogos e estudantes de Astrologia não falam de outra coisa. Regulamentar a profissão ou preservar a liberdade de uma prática à margem da vida acadêmica? E, para os defensores da regulamentação: como promovê-la sem colocar a Astrologia numa camisa-de-força que acabe por prejudicar os bons profissionais?

O pavio dessa discussão explosiva já estava aceso há alguns anos, mas a comunidade profissional só ouviu o estrondo no dia 19 de junho, quando o jornal Estado de S. Paulo divulgou que um projeto de lei de autoria do senador Artur da Távola havia ultrapassado a primeira etapa no rumo de sua aprovação. A partir daí, os grupos pró e contra a regulamentação radicalizaram posições em discussões que se espalharam por fóruns ao vivo e na Internet. Os astrônomos foram os primeiros profissionais do meio acadêmico convencional a botar a boca no mundo, produzindo, inclusive, algumas reações de pronunciado mau gosto.

Nesta matéria vamos contar um pouco desta longa história, de forma a contextualizar várias facetas do imbroglio.

Sete planetas em Touro testemunham o nascimento do anteprojeto

O projeto de regulamentação encaminhado no Senado por Artur da Távola e na Câmara pelo deputado Luiz Sérgio é fruto de um anteprojeto elaborado pelo SINARJ, o sindicato dos astrólogos cariocas. A gestação do documento iniciou-se em maio de 2000 e foi concluída em novembro do mesmo ano, ainda sob a presidência de Otávio Azevedo. Elaborado o anteprojeto, o sindicato passou a buscar, em contato com parlamentares, uma avaliação de suas reais possibilidades de encaminhamento. Os resultados começaram a aparecer apenas em fevereiro de 2001, como informa Celisa Beranger, atual presidente do SINARJ, em editorial do último Boletim da entidade:

Em 20 de fevereiro passado recebemos um telefonema da assessoria do Senador Artur da Távola, que, por sua grande consideração para com a Astrologia, foi o primeiro a receber o nosso anteprojeto, em novembro de 2000. O Senador solicitava que reenviássemos o anteprojeto porque iria apresentá-lo a uma das Comissões do Senado, o que acabou se concretizando em 11 de março, recebendo o nº 43 de 2002 (PLS 43 de 2002). Para nós este passo foi muito importante, porque o encaminhamento do projeto é o começo da trajetória. Embora sabendo que a caminhada é longa, e sem previsão de prazo para a avaliação da comissão, segundo as informações da assessoria do Senador, isso não diminui sua importância, pois o primeiro passo foi dado.

Na última semana de junho, Celisa passou algumas informações adicionais para Constelar.

CONSTELAR - Como foi a articulação que levou à elaboração do projeto de lei?
.
CELISA BERANGER - Em novembro de 2000 coordenei uma comissão do SINARJ para elaborar um anteprojeto de regulamentação atendendo à sugestão do senador Nei Suassuna no simpósio de 1999. Concluído o projeto, enviamos à residência do senador Artur da Távola, que é uma pessoa bastante ligada à cultura e que sempre demonstrou apreço pela Astrologia, e tentamos entregar ao Nei, que o havia sugerido, mas não conseguimos. Logo após a entrega, o senador Artur da Távola foi convidado para Secretário de Cultura do Rio de Janeiro e esteve afastado de Brasília até o início deste ano, não respondendo a nossos e-mails e telefonemas. Começamos então a procurar outros parlamentares e a solicitar a associados que conhecessem algum. Fomos apresentados ao ex-deputado Luiz Salomão, que tentou fazer com que desistíssemos. Depois o projeto foi entregue ao deputado Fernando Gabeira, a Alcione Athayde e ainda ao deputado Luiz Sérgio.

CONSTELAR - Por que há dois projetos, um do senador Artur da Távola e outro do deputado Luiz Sérgio?

CELISA BERANGER - Em fevereiro o assessor do senador Artur da Tavola entrou em contato comigo, afirmando que o senador apresentaria o projeto, o que foi feito em 11 de março e teve a primeira aprovação em 19 de junho, mas terá que tramitar novamente pela comissão para depois ser encaminhado à Câmara. Apesar de ter conhecimento do projeto do senador, em 8 de maio o deputado Luiz Sérgio apresentou seu projeto na Câmara. Por isto há dois projetos. Aí está um breve histórico de tudo que ocorreu.

Loteando os latifúndios celestes

As articulações pela regulamentação da Astrologia passaram despercebidas da maioria dos astrólogos e do grande público, mas a informação vem freqüentando os noticiários há vários meses. Em 15 de março, por exemplo, o portal do iG anunciava:

Encontra-se na Comissão de Assuntos Sociais do Senado (CAS), para decisão terminativa, projeto de lei do senador Artur da Távola (PSDB-RJ) que regulamenta a profissão de astrólogo. Pelo projeto, o astrólogo é definido como o profissional que estabelece juízos a partir do estudo das configurações do céu, calculando e elaborando cartas astrológicas.

Foi em junho, porém, que a notícia ganhou as páginas dos principais jornais e sites da Internet. No dia 19, ainda o iG dizia:

BRASÍLIA - A profissão de astrólogo foi oficialmente reconhecida e regulamentada pela Comissão de Assuntos Sociais do Senado (CAS), conforme substitutivo do senador Moreira Mendes (PFL-RO) a projeto do senador Artur da Távola (PSDB-RJ) aprovado nesta quarta-feira (19). A matéria recebeu decisão terminativa na comissão e por isso seguirá para a Câmara dos Deputados, desde que não haja recurso para seu exame pelo Plenário do Senado.

(...) Moreira Mendes (...) atentou para a necessidade de se regulamentar a profissão a fim de garantir à sociedade a prestação qualificada dos serviços dos astrólogos. Segundo o senador, cada vez mais o trabalho desses profissionais afeta diretamente as pessoas no momento em que estas vão pautar sua vida de acordo com as indicações e os conselhos astrológicos.

Segundo a proposição aprovada, os astrólogos terão o exercício de sua profissão assegurado pela associação de classe local, que cuidará também de verificar a habilitação dos profissionais. (...)

Daí em diante, esta foi a grande discussão da comunidade astrológica. José Colucci Jr., apresentado pelos astrônomos como um dos melhores articulistas pró-ciência do país (e realmente é), escreveu uma carta aberta ao senador Artur da Távola cumprimentando-o, em tom de deboche, pela iniciativa da regulamentação da Astrologia. O texto é inteligente, bem humorado, e até seria aceitável, não expressasse alguns preconceitos injustos que astrônomos adoram alimentar contra astrólogos. Eis alguns trechos:

Um benefício imediato do reconhecimento da profissão de astrólogo é criar o precedente legal para que cartas astrológicas sejam usadas em recrutamento e seleção de pessoal. O valor da proposição para o preenchimento de cargos no governo é imenso, pois, como bem sabe o ilustre Senador, a rigidez dos concursos públicos não permite aos governantes escolher adequadamente características pessoais desejáveis nos postulantes a cargos públicos. (...) Acreditamos, no entanto, que o projeto não é suficientemente abrangente. Além da astrologia há outras profissões respeitáveis que ainda não contam com o reconhecimento oficial. Devemos lembrar, por exemplo, dos profissionais que "estabelecem juízos a partir do estudo das configurações das cartas do baralho". Ou, ainda, dos que "lêem o destino com base no arranjo geométrico assumido por conchas de moluscos gastrópodes atiradas ao acaso".

Em outras palavras: Colucci Jr. começa por levantar suspeitas de que astrólogos possam ser utilizados para legitimar maracutaias em processos de recrutamento e seleção e em seguida coloca no mesmo saco a Astrologia, o tarô e o jogo de búzios, que são saberes absolutamente distintos. Mas o ilustre articulista não desiste, reiterando mais adiante:

Logo após a publicação da lei no Diário Oficial da União, fica proibida, em todo o território nacional, a prática, por profissionais não-habilitados, da astrologia, cartomancia, datilomancia, necromancia, psicomancia, rabdomancia e, para simplificar, tudo o que termine em "mancia".

Parece suficiente? Pois leiam este trecho:

O CABRA - Conselho dos Astrólogos do Brasil - deveria solicitar aos candidatos que relacionem perfis psicológicos e dados biográficos de pessoas reais identificadas apenas por números às respectivas datas de nascimento, apresentadas em coluna separada. O fato de pesquisas científicas mostrarem que não existe correlação alguma entre esses dados não deve ser impedimento, pois há uma especialidade médica que desafia as leis da física e da química e é, no entanto, reconhecida pelo Conselho Federal de Medicina.

Para quem não entendeu a referência, trata-se de uma gozação com a centenária Homepatia, já reconhecida como especialidade médica mas ainda não digerida pela sua suposta "falta de cientificidade". Se a Astrologia for regulamentada - projeto pouco viável a curto prazo, face às oposições dentro da comunidade científica - encontrará olhares fuzilantes e caninos à mostra. Mas o escracho maior de Colucci ficou mesmo para o último parágrafo, onde o nível cai definitivamente no domínio do escatológico:

Gostaríamos de chamar a atenção de Vossa Excelência para uma profissão que merece tanto respeito quanto a astrologia, apesar do estigma que a cerca. Falamos da copromancia, ou seja, a arte de "estabelecer juízos a partir do estudo das configurações de massa fecal de qualquer espécie, calculando e elaborando cartas fecais". (...) Afinal, se a influência de astros distantes se faz sentir sobre os homens, o que dizer da influência de matéria tão intimamente afeita ao corpo humano?

Os irredutíveis gauleses - Astrólogos que são contra a regulamentação
Astrólogos paulistas discutem seus rumos - Conclusões do Fórum Astrologia 2002
Legisladores do céu - os mapas de Artur da Távola e Luiz Sérgio
Os projetos em versão integral - Texto completo dos dois projetos de regulamentação da Astrologia

Anterior | Próxima | Sumário desta edição | Índices

© 1998-2004 Terra do Juremá Comunicação Ltda.