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ASTROLOGIA E ANTROPOLOGIA

Crenças e tabus: o zodíaco frente à cultura

Carlos Hollanda

 

Astrologia: tão ambígua quanto um sapo

A Astrologia situa-se neste campo de ambigüidade para a cultura ocidental como um todo. Uma vez que o contexto do ocidente tem como normalidade a razão, a metodologia científica, e a lógica formal como baluartes, quaisquer outros sistemas de raciocínio e percepção parecem carecer daquele tom de realidade que o conjunto de normas da cultura impõe. A Astrologia tem um pouco de ciência, mas também um pouco de arte. Mistura lógica com intuição. É concomitantemente regulada pela lógica formal e pela lógica por analogia. É uma técnica multifocal e multicontextual (símbolos são aplicáveis e válidos segundo o contexto a ser tratado, qualquer que seja ele). É aplicável a tantas realidades quanto o ser humano tiver a criatividade de estruturar. Isso, por certo, gera uma reação de repulsa na consciência coletiva, guiada pelos padrões de normalidade transmitidos e conservados geração após geração.

Como afirmei acima, Urano, Netuno e Plutão, em muitos casos, representam forças que estão além do universo criado "à nossa imagem e à semelhança de nossa cultura". Netuno é aquilo que não conseguimos distinguir adequadamente dentro de nosso código de referências. É a questão da ambigüidade - meio isso, meio aquilo. Curiosamente Netuno, nos mitos, ou é um transmorfo ou leva a alguns personagens mitológicos o dom da transformação. Seus filhos costumam ser seres formados por pelo menos dois animais. Plutão é o símbolo correlato aos tabus de qualquer cultura, mas não é o símbolo da formação dos tabus em si, título que caberia a Saturno[*]. Plutão é o símbolo dos elementos transformados em tabu. E tabus são criados por força da necessidade de manter a sobrevivência e evitar a "contaminação", seja ela de "maus espíritos", seja de "magia", seja de micróbios e pestilência ou más ações, segundo a cultura de que se tira a referência. Esses elementos são representativos daquilo que atenta contra a ordem existente, contra o lugar que as coisas "devem" ocupar no esquema do cosmo (universo ordenado).

[*] Quando falamos de sistemas de resistência ou de proteção contra elementos caóticos, estamos falando de Saturno. O simbolismo deste planeta é análogo ao conceito de demiurgo (segundo Platão, o Deus que cria o Universo, organizando a matéria preexistente). Toda cultura concebe um universo próprio, com seus limites e com um lugar apropriado para cada componente deste universo.

Astrólogos são vistos mais ou menos como sapos: lidando ora com a lógica, ora com o aparentemente mágico, ocupam uma "terra de ninguém" conceitual. E a cultura tem horror ao indefinido, como as pessoas comuns têm horror de sapos.

 

Cada cultura tem um conjunto próprio de símbolos, de sistemas de comunicação e um modo singular de lidar com eles. A decodificação dos símbolos depende do contexto cultural ao qual pertencem. Tal modo de lidar é determinado por uma série de fatores, mas a cultura não se subordina a nenhum desses fatores isoladamente. A cultura está além da herança genética, que, ao contrário do que se imagina, tem muito menos a ver com o comportamento do que os condicionamentos que vamos adquirindo no decorrer de nosso relacionamento com a sociedade. É este relacionamento que vai criando um sistema de expectativas e respostas às circunstâncias que experimentamos.

De igual forma, a cultura está além do determinismo geográfico, que não condiciona decisivamente o comportamento. A exemplo disso temos o comportamento de esquimós comparado com o dos lapões. Apesar de ambos viverem em climas e regiões de características muitíssimo semelhantes, os primeiros usam iglus como abrigo. Estes podem ser deixados para trás quando o esquimó deseja mudar-se. O mesmo já não ocorre com os lapões, que montam seus abrigos com peles de renas. Se houvesse determinismo geográfico, as condições climáticas de baixíssimas temperaturas dos dois ambientes forçariam ambos os povos a procederem do mesmo modo. A explicação está na cultura desses povos, que vai sendo construída de acordo com o histórico de cada grupo social.

De qualquer modo, dentro de qualquer cultura, temos elementos inerentes a todo ser humano, seja em função de seu relacionamento com o mundo concreto, seja em função de realidades biológicas. E isso independentemente da particularidade da cultura. Cada uma, no entanto, lida diferentemente com a natureza das coisas: objetos, comidas, roupas, circunstâncias, gestual, crenças, forma do corpo etc. Ainda assim, mesmo com as diferenças, o ciúme, por exemplo, continua sendo ciúme, o casamento continua sendo casamento. Apesar de ser o casamento uma instituição gerada por processos culturais, em todas as sociedades percebemos o esquema de parceria com outras pessoas ou de união conjugal. O mesmo lidar diferente é visto com relação à morte, o luto, a riqueza, a pobreza, o sexo e os tabus. Todos os seres humanos lidam com esses fatores em maior ou em menor grau em suas vidas e de um modo condicionado, mas lidam. Tudo isso continua sendo o que é, não importa de que cultura estamos falando, mesmo que a relação com esses conceitos varie muito e mesmo que eles tenham sido criados justamente em função do surgimento da cultura nas sociedades humanas.

Os significadores astrológicos dependem do contexto cultural

1 - Introdução
2 - A cultura e a baba que escorre da boca
3 - Astrologia: tão ambígua quanto um sapo
4 - Os significadores astrológicos dependem do contexto cultural
5 - A relação da cultura com símbolos zodiacais
6 - A cultura e os eixos Gêmeos-Sagitário e Câncer-Capricórnio
7 - Os significadores de cultura
8 - Placebos, crenças, sistemas peritos e o cachorro de Pavlov
9 - Reflexo Condicionado: o Homem é muito mais passível que os animais
10 - A oposição entre Plutão e Saturno no eixo Gêmeos-Sagitário
11 - O ser humano como um ator múltiplo, mas inconsciente
12 - Escorpião, o Senhor dos Tabus

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