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ASTROLOGIA E PSICOLOGIA JUNGUIANA
O saci das Araucárias

João Acuio
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Um saci virginiano

O Signo de Gêmeos também é regido por Mercúrio. Mas é diferente ser um saci virginiano do que um geminiano. Gêmeos expressa mais veemente a mudança de opinião, ou de faces, sem cultivar necessariamente um áspero aspecto crítico. Virgem já tem a precisão da mão do cirurgião. No caso do Leminski, língua só lâmina de um Mercúrio conjunto a Marte - o Deus da Guerra - em Virgem. Essa configuração faz com que a palavra seja a sua guerrilha. Em resumo, Gêmeos é esparramado, o mágico. Virgem é conciso, o mago. Ou alguém dúvida dessa precisão virginiana? Por exemplo, veja o ronin curitibano ferindo as efemérides:

Uma semana,
um mês, um ano,
não dão para a saída:
nada passa igual a um dia.

O Saci da Araucárias continuou aprontando das suas. São tantas travessuras, sal sobre lesmas, que os biógrafos, espero, tragam a luz. Mas uma passagem me chama a atenção. A história, que é quase lenda, é sobre a morte dele. Paulo morreu no dia 7 de junho de 1989, e na ocasião, eu tinha uma amiga, Ana de Tostoi, que trabalhava no Canal 12 . E ela me contou que a TV anunciou a morte do Paulo antes do ocorrido. Tiveram que desmentir. E logo em seguida voltar a confirmar. Será que isso é verdade? O que importa? O Coringa de Curitiba deve ter dado gargalhadas.

Adeus, mundo cruel, fábula de papel,
sopro de vento, torre de babel,
adeus, coisas ao léu, adeus.

Outro fator importante da carta de Paulo é a sua Lua em Escorpião. É a mesma coisa que dizer: Até a morte, tudo é vida (Cervantes). Isso me dá um arrepio. E respeito. Essa posição sugere alguém que é tomado pela paixão, pelo abismo, pela força dos instintos ou do sexo, fazendo com que a morte e o sentimento de destino batendo à porta sejam uma constante. Leminski perdeu o seu primeiro filho, Miguel, quando este tinha 10 anos. Como também o seu irmão, que cometeu suicídio.

Mas mudando de assunto, quando se cruza o mapa de Curitiba com o do Leminski, achamos pistas de como foi este caso de amor.

A sinastria do mapa de Curitiba (planetas internos e estrutura de casas) e do mapa de Paulo Leminski (planetas no círculo externo). Curitiba foi fundada em 29.3.1693, às 10h LMT.

Curitiba tem Lua em Capricórnio. O que quer dizer isso? Lua é o coração emocional, no caso aqui, de uma cidade. São os sentimentos mais íntimos de alguém. Capricórnio é o signo do medo, da solidão, da necessidade de estabelecer distância. Em duras palavras: representa o medo do contato, a fobia, a depressão, a sólida solidão. Como também representa o gosto por desertos ou por tudo que tem estrutura e tradição para aguentar mil invernos. É a mãe madrasta. Essa Lua e mais Plutão - o Deus das Crises - posicionado na casa da comunicação, entre outras coisas, faz com que Curitiba resista a falar e assim evite mudanças. Enfim, sabe Saturno comendo seus próprios filhos por medo da mudança? Saturno - o Senhor do Anel, rege Capricórnio. Então agora imagina essa cidade naturalmente silenciosa como pedra para a alma de um Saci? Vai ser um prato cheio (risos).

Você pode achar que eu estou exagerando. Que Curitiba não é tão fria. Que não há na cidade este desejo de morte representada pela boca calada do curitibano etc etc etc. É claro que não é mais tão quieta assim. Mas me diga aí, porque aqui há um monte de artistas suicidas? Como, por exemplo, Raul Cruz, Marcos Prado, o nosso João Baptista de Pilar, e o próprio Leminski? Em Curitiba não há filhos artistas com o sorriso simpático do paulista Paulinho Moska ou o balanço da carioca Fernanda Abreu? Por quê? Alguém pode me dizer? Curitiba sorri, mas não gargalha, meu caro!

saudade do futuro que não houve
aquele que ia ser nobre e pobre
como é que tudo aquilo pôde
virar esse presente podre
e esse desespero em lata?

(Leminski, em Campo de Sucatas)

Na carta astrológica há um elemento chamado Meio do Céu, que é significador da meta a alcançar de um mapa em questão. No Meio do Céu do mapa de Curitiba há o signo de Peixes, significador da necessidade de diluir limites, de dar um porre na censura, da precisa e preciosa fusão de elementos sem saber onde isso vai dar. Sabe alemã casando com anarquista italiano? Ou cruza de Santa Felicidade com Boqueirão ? Pois é, talvez só fazendo a função de Peixes, que é de se misturar e assim provocar outras sínteses para que possamos não nos sentir sós com a solidão que a Lua em Capricórnio representa.

E veja só: Leminski tem Ascendente em Peixes. Portanto, alinhava-se como ninguém ao projeto da cidade e acabou fazendo de uma maneira ou outra essa função. O que estou querendo dizer é que determinadas pessoas em sua comunidade podem representar, sem saber, antes que qualquer um se aperceba, a direção para a qual o coletivo se encaminha a passos lentos.

Mas como Leminski fez isso? Primeiro, por recusar o pacto de silêncio que a cidade teima em fazer. Isso a gente vê tanto na sua reflexão sobre a cultura que aqui se produziu quanto o transitar de sua literatura por todas as etnias e tempos. Na sua obra, vemos o Japão, a Polônia, os ingleses, os irlandeses, os gregos, os americanos, os russos, enfim, Curitiba e mais o mundo todo num mesmo e eterno carnaval. Até a sua própria linguagem, que ele bebia de outros códigos para ser uma outra terceira coisa, é um fruto do processo pisciano. Prosa poética. Romance-idéia. Hai-Tropikai. É Júpiter destronando Saturno e dividindo o imaginário entre Netuno - o Deus da Poesia Romântica, Plutão - O Deus Destruidor de Estruturas Falsas, e ele próprio, Júpiter-Zeus - Deus do Olimpo e de Inúmeros Filhos Espalhados Por Todo o Mundo.

A par das rebeliões comportamentais, da negação da persona do intelectual clássico, Leminski sabia da necessidade de uma outra rebelião: a rebelião da linguagem. Com maestria, jogou toda a sua energia poética contra o racionalismo linear aristotélico/cartesiano. Judoca zenbudista, desconfiava das palavras e remetia seus leitores à experiência concreta: no seu caso, a experiência com o próprio texto.

(Ademir Assunção, in revista Medusa nº 6, 1999.)

Em outras palavras, a meta de Peixes é a metamorfose. Metaformose. Metamoforse. Nada mais justo para quem já veio de uma mistura de raízes portuguesas, polacas e negras.

Enfim, coisa de Saci.

quem está por fora
não segura
um olhar que demora

de dentro do meu centro
este poema me olha

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