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ASTROLOGIA MUNDIAL

Eclipse, histeria e milenarismo

Fernando Fernandes

 

Esta matéria, publicada por Constelar às vésperas do grande eclipse de agosto de 1999, continua tão válida hoje quanto há quatro anos. Inúmeros eclipses depois, a mesma superficialidade e o mesmo sensacionalismo continuam confundindo eclipses, mudanças de era, profecias de origem não-astrológica e a histeria pela virada de calendários.

A proximidade do ano 2000, somada ao medo gerado pelo eclipse, desencadeia uma onda mística e nem sempre bem fundamentada, que mistura profecias, previsões astrológicas e muita desinformação. O que é exatamente um eclipse? E o que é uma era astrológica? Estamos no final da era de Peixes ou no início da era de Aquário?

Milenarismo é o conjunto de idéias místicas e, na maioria das vezes, catastrofistas que se apoderam da mentalidade popular às vésperas das passagens de milênio. Foi assim pouco antes do ano 1000, quando a cristandade preparou-se para o fim do mundo penitenciando-se nas igrejas e seguindo profetas desvairados. Foi assim novamente às vésperas do ano 2000. Como potencializador da histeria coletiva de crentes das mais variadas seitas (e do olímpico desprezo da comunidade científica), o eclipse total do dia 11 de agosto surge como o marco desencadeador de grandes transformações planetárias.

O estilista Pacco Rabanne, famoso estilista e perfumista, deixou-se apavorar pelas profecias envolvendo o eclipse de 99.

Em matéria intitulada Rabanne larga a tesoura e anuncia o fim do mundo, o Jornal da Tarde de São Paulo informa que o famoso estilista prevê para a data do eclipse uma hecatombe que se abaterá sobre Paris e o sudoeste da França, com base na interpretação de profecias de Nostradamus e de previsões da antiga astróloga do presidente Mitterrand, a também vidente Elisabeth Teissier:

Pelo que avança a dupla de videntes, 20 milhões de pessoas morrerão nas duas regiões sob a fúria do anticristo, que fará despencar lá do alto a nave espacial russa Mir ou a sonda americana Cassini, carregadas de plutônio e camufladas na escuridão provocada pelo eclipse total do sol naquele mesmo dia.

A desgraça final seria particularmente espetacular às margens do Sena, pois o vidente-estilista "vê" o rio sendo iluminado por milhares de tochas humanas vivas, que nele se precipitarão de seus paredões, pontes e dos edifícios próximos.

A ilustração disso está na rumorosa 70.ª quadra da 10.ª centúria das profecias de Nostradamus, na qual o mago anunciaria o apocalipse de Paris e adjacências, sob a forma da vinda do céu do "grande Rei do Terror", em 1999. [Jornal da Tarde, São Paulo, caderno Variedades, 26.7.99.]

Na verdade, a quadra em que se baseiam as previsões de Rabbane é obscura o suficiente para permitir dezenas de interpretações. Não há nada nela que permita identificar com absoluta certeza referências ao eclipse ou à cidade de Paris. Os próprios especialistas em Nostradamus são os primeiros, aliás, a reconhecer que a ambigüidade das previsões do mestre, sempre escritas em linguagem "cifrada", facilita o charlatanismo e alimenta a histeria de seitas que se transformam em verdadeiras indústrias de lucro fácil. De qualquer forma, 11% dos franceses, segundo a matéria, acreditam no iminente apocalipse, para contrariedade dos cientistas.

O eclipse também é o assunto de capa da edição da primeira semana de agosto de 1999 da revista IstoÉ, que faz um levantamento detalhado dos movimentos milenaristas que arrebatam multidões no Brasil e no exterior. Em tom sempre irônico, a longa matéria afirma que, com a proximidade do eclipse e da virada do milênio, "essa turma de supersticiosos, catastrofistas, milenaristas e fundamentalistas acendeu o pisca-alerta", e exemplifica com relatos sobre grupos de penitentes católicos no Ceará e com histórias de seitas que aguardam a salvação trazida por extraterrenos. No meio de toda esta salada, um curto parágrafo com as declarações de dois astrólogos brasileiros:

Embora a Terra registre uma média de dois eclipses solares ao ano - o último que passou pelo Brasil foi em 3 de novembro de 1994 -, os astrólogos consideram o do dia 11 o mais tenso do milênio. Ele desenhará no espaço uma espécie de cruz cósmica, tendo a Terra ao centro; o Sol, a Lua e Urano no eixo vertical; Marte e Saturno alinhados no eixo horizontal. Para a astrologia, Urano, Marte e Saturno são planetas ligados a crises, mudanças e conflitos. "É como se os planetas tivessem guerreando. E será uma batalha feia", avisa o diretor do centro astrológico carioca Astrotiming, Otávio Azevedo. Bárbara Abramo, especialista em astrologia política, aponta um período de conflitos bem terrenos. "A imagem da cruz cósmica poderia ser resumida como se toda a sociedade, dividida em governo, povo e forças armadas, e uma quarta força, representada pelos recursos naturais, estivessem segurando um pé da mesma mesa e cada um puxasse para o seu lado", afirma Bárbara. "No Brasil, os conflitos de terra e as questões sindicais vão estar mais acirradas. O governo vai ter seu poder questionado e vai avaliar se deve ou não colocar o Exército nas ruas", previu a astróloga. Em tempo: ela falou isso antes da greve dos caminhoneiros.

A matéria, que tenta ser um grande painel da movimentação de grupos os mais heterogêneos em torno do eclipse e do fim do milênio, trata a questão de forma superficial e, ao misturar a opinião de astrólogos com a de videntes e místicos, acaba dando a falsa impressão de que são todos representantes do mesmo modelo de mentalidade supersticiosa. No caso de Barbara Abramo, a matéria pelo menos registra o acerto de suas previsões sobre a possibilidade de uso de força militar, mas omite o fato de que a astróloga paulista não está fazendo afirmações genéricas sobre o significado do eclipse, mas sim aplicando suas configurações aos diversos mapas que permitem uma avaliação da situação brasileira contemporânea, como as cartas da Independência e da Proclamação da República.

Na verdade, para entender o eclipse e a crise do fim do milênio do ponto de vista astrológico, é preciso antes desembaraçar esta questão de suas outras abordagens, especialmente aquelas que decorrem de cosmovisões místicas ou da simples histeria coletiva. Astrólogos não são profetas, e profetas nem sempre são astrólogos.

 
Pouco antes do ano 1000, profecias assustadoras davam conta de que com o final do milênio viria o Apocalipse, quando a humanidade, arrebatada, seria partilhada entre anjos e demônios infernais.

Astrologicamente, a virada do milênio não tem nenhuma importância em si, até porque é um fenômeno do calendário civil, que marca o tempo a partir de eventos significativos para alguns grupos humanos - mas não para todos. Se a cristandade está às vésperas do ano 2000, o mesmo não ocorre com muçulmanos, judeus ou budistas, que adotam calendários diversos, a partir de outros referenciais. Já os eclipses apresentam real interesse para a Astrologia, por serem considerados potencializadores e focalizadores de configurações planetárias.

Um terceiro conceito que tem sido associado com freqüência à virada do milênio e ao eclipse de agosto é a era de Aquário. O estudo das eras astrológicas está no âmbito da Astrologia coletiva, ou mundial, indicando tendências para longos períodos de tempo e envolvendo eventos em nível planetário. Segundo interpretações apressadas, o ano 2000 marcaria a transição da era de Peixes para a de Aquário. Esta possibilidade até pode estar correta, já que existem muitas dúvidas quanto ao momento exato em que a mudança se dará, mas nada tem a ver com a passagem do milênio no calendário civil.

As eras indicam macrotendências na história da humanidade. De todos os ciclos que interessam à Astrologia, são os mais extensos e de sentido mais geral e abrangente. Enquanto o eclipse é um gatilho que dispara eventos de caráter tópico e alcance imediato (por imediato, entendemos um período de até dois anos, aproximadamente), uma mudança de era significa uma alteração de curso de maior envergadura, cujos efeitos estendem-se por séculos e só podem ser claramente compreendidos a partir de um adequado distanciamento histórico.

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