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DO CÉU AOS GENES

Rômulo e Remo, as crianças abandonadas
da capital do mundo

Alexey Dodsworth

Diversos astrólogos da antiguidade deram importância à questão das crianças natimortas, nascidas com características monstruosas, ou em condições anormais, ou ainda que poderiam ser descartadas por serem defeituosas ou incompletas. Duas dessas crianças - os gêmeos semidivinos Rômulo e Remo - tiveram origem num estupro. Rômulo assassinou o irmão e fundou Roma, a grande metrópole do mundo antigo.

Rômulo e Remo

Rômulo e Remo alimentados pela loba, na concepção do pintor
Giulio Romano (século XVII).

Baixar arquivo Do Céu aos Genes - versão PDF Este artigo é uma adaptação de trechos da dissertação de mestrado em Filosofia de Alexey Dodsworth Do Céu aos Genes: Transições epistêmicas, anomalias cosmológicas e suas inquietações éticas - uma interlocução foucaultiana. O trabalho está sendo submetido em setembro à banca da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da USP e pode ser baixado na íntegra, em arquivo PDF, pelos leitores de Constelar. Para iniciar o download, basta clicar no ícone ao lado.

A quase totalidade dos aforismos dos astrólogos da antiguidade discorre sobre crianças expostas (ou seja, abandonadas, expostas aos elementos) cujo destino é serem devoradas por cães ou afogadas. Num único aforismo que muito nos importará mais adiante, o destino da criança exposta não é a morte, como diz Firmicus Maternus, astrólogo latino do século IV:

Se Marte e Saturno estiverem num ângulo, ou num ângulo e o outro na anáfora ou na epicatáfora de um ângulo, e a Lua estiver em conjunção com um deles, ou em quadratura ou oposição a um deles, o nativo será exposto. Mas, com todos estes assim localizados, se um planeta benéfico entrar em aspecto à Lua, dirigindo-se a ela, o exposto será recolhido e criado no lugar dos filhos do descobridor.

Um dos casos mais famosos de crianças expostas é justamente aquele no qual o destino final não foi a morte, e sim a coroa: a mítica história dos híbridos humano-divinos Rômulo e Remo, fundadores de Roma, filhos do deus Marte com uma humana (Réia Silvia, uma virgem vestal), retirados de sua mãe por um homem chamado Amúlio, atirados ao rio Tibre onde sobrevivem e são amamentados por uma loba. Tal mito, tendo sido levado a sério por filósofos da antiguidade, expõe com clareza as evidências de que astrólogos antigos consideravam o Sol e não a Terra como centro do sistema, conforme procurarei expor a seguir. Ao que tudo indica, uma das mais importantes cidades da história do Ocidente não apenas traz em seu nascimento a marca do enjeitado Rômulo, monstro híbrido humano-divino, como também assegura a partir dos relatos de astrólogos que estudaram sua fundação: não somos centro do Universo.

Firmicus MaternusAntes de tudo, vale destacar que a configuração planetária de Firmicus Maternus [imagem à direita] aplicada a "crianças abandonadas, porém recolhidas e salvas", não é tão comum, pois para Marte e Saturno estarem – ambos – num ângulo do tema, isso significa que estes planetas devem estar numa distância angular de 0º-10º, 85º-95º ou 175º-185º, o que ocorre periodicamente, mas com intervalo de muitos meses entre uma conexão angular e outra. Ainda assim, o posicionamento específico destes dois planetas em ângulos zodiacais só ocorre em algumas horas específicas do dia, ao longo de alguns poucos dias, ou seja, não se trata de uma configuração banal. Este aforismo de Firmicus Maternus será fundamental para entendermos melhor as circunstâncias que envolvem a vida de Rômulo e a fundação mítica de Roma. Pouco importa, aqui, se Rômulo foi ou não um personagem real e se Roma foi de fato fundada numa data defendida por astrólogos. Conforme veremos, importante é o enigma que se configura a partir destes estudos, e a possível e fascinante constatação histórica de que a revolução copernicana representou o resgate de um conhecimento existente antes do início da Era Cristã.

Lucius Tarutius Firmanus (nascimento e morte no século I a.C.) foi um astrólogo e filósofo romano conhecido por sua alta competência matemática. Amigo de Cícero e do também filósofo Marco Terentio Varro (116 a.C.–27 a.C.), Tarutius se empenhou – a pedido de Varro – na reconstrução do horóscopo de concepção e nascimento dos gêmeos semidivinos, Rômulo e Remo. Outro alvo de seu estudo também foi a suposta data de fundação da cidade de Roma.

Moeda Otaviano Augusto

Fotografia de moeda em homenagem a Otaviano Augusto, na qual se atribui ao imperador o signo de Capricórnio, uma vez que sua concepção se deu no fim de dezembro (ver nota abaixo).

Nota - Para os antigos, o horóscopo da concepção era tão importante quanto o do nascimento e recebia o nome de “astrologia genetlíaca”. Segundo Ptolomeu, o ascendente do nascimento corresponde à posição da Lua no momento da concepção, ou vice-versa. O estudo do mapa da concepção foi bastante difundido entre os povos da antiguidade mediterrânea, e durante muito tempo houve discussões acaloradas sobre qual mapa seria mais importante: o de nascimento, essencialmente matriarcal, quando a criança sai do ventre da mulher? Ou o da concepção, considerado patriarcal, quando o macho fecunda a fêmea? Um dos mais ilustres exemplos da aplicação da astrologia genetlíaca é o do imperador Otaviano Augusto, nascido em 23 de setembro de 63 a.C., isto é, no signo solar de Libra. Para Manilius, Augusto era de Capricórnio, pois fora concebido em fins de dezembro. De fato, as moedas de Augusto levavam uma inscrição atribuindo a pertinência do imperador a Capricórnio. Todavia, dada a dificuldade para determinar com precisão o momento da concepção – um momento muito menos visível que o do parto – os astrólogos se inclinaram para uma astrologia baseada no momento do nascimento. Em seu “Tetrabiblos”, Ptolomeu chega a discorrer sobre estas duas possibilidades de abordagem, e toma partido da astrologia pautada no momento do nascimento da criança, e não de sua concepção.

A concepção dos filhos de Marte

De acordo com Tarutius, a fecundação dos gêmeos fundadores foi bastante dramática: dedicada a ser uma virgem vestal, Réia Silvia se viu arrebatada pelo deus da guerra, Marte, na terceira hora do dia 23 de Choiak (conforme o antigo calendário copta, baseado no egípcio) do primeiro ano da segunda Olimpíada, o equivalente a 24 de junho de 772 a.C. (calendário juliano). Na antiga Roma, as horas eram contadas a partir do nascer do Sol, ou seja, a terceira hora equivaleria nesta data a algum momento entre 7 e 8 horas da manhã.

Segundo o filósofo e historiador Plutarco, a concepção de Rômulo e Remo se deu num eclipse solar. Assim nos relata Plutarco:

Nos tempos do filósofo Varro, um profundo conhecedor de História chamado Tarutius, um amigo próximo, bom filósofo e matemático, e também um que por curiosidade tinha estudado um modo de desenhar esquemas e tabelas, considerado um perito na arte; a ele, Varro propôs levantar a natividade de Rômulo, até o primeiro dia e hora, fazendo suas deduções a partir dos diversos eventos da vida deste homem sobre os quais ele poderia se informar, exatamente como na reconstrução de um problema geométrico; pois concernia, segundo ele, à mesma ciência, tanto a predição da vida de um homem segundo sua hora de nascimento, quanto a descoberta de sua hora de nascimento de acordo com o conhecimento de sua vida. A esta tarefa Tarutius se comprometeu, em primeiro lugar olhando para as ações e incidentes na vida do homem, juntamente com o tempo de sua vida e modo de sua morte, e em seguida comparando todas estas observações reunidas, ele muito confiantemente e positivamente anunciou que Rômulo foi concebido no ventre de sua mãe no primeiro ano da segunda Olimpíada, no vigésimo-terceiro dia do mês chamado pelo egípcios de Choiak, à terceira hora, momento no qual ocorreu um eclipse total do Sol, tendo nascido no vigésimo-primeiro dia do mês Thoth, por volta da aurora, e que a primeira pedra de Roma foi colocada por ele no nono dia do mês Pharmuthi, entre a segunda e a terceira hora.

De fato, a data de 24 de junho de 772 a.C. coincide com um eclipse solar, o que valida a fama de excelente matemático atribuída a Tarutius . Entretanto, este eclipse foi completo no Ártico e no Norte europeu, mas não em Roma. Em Roma, a distância de 31' de arco entre o Sol e a Lua produziu um eclipse apenas parcial. Se Tarutius era um matemático e astrônomo tão bom, por que supostamente teria falado em "eclipse total" quando em Roma houve apenas um parcial? Talvez seja o caso típico dos eventos tornados exagerados na medida em que os relatos se sucedem, afinal Plutarco se refere ao dito por Varro sobre os estudos de Tarutius – não se trata de uma fonte direta. Talvez Tarutius tenha se valido de valores levemente incorretos para as passagens latitudinais da Lua, ou tenha desejado inserir uma marca especial para o momento do enlace entre um deus e uma mortal. É inconteste, porém, que houve um eclipse.

Eclipse do Sol 772 a.C.

Demonstração astronômica computacional da existência de um eclipse solar parcial ocorrido em Roma na suposta data da concepção dos gêmeos semidivinos, frutos do enlace entre o deus Marte e a virgem vestal Réia Silvia. O eclipse ocorreu entre 7:12:39.4 e 7:28:56.9, com ponto máximo às 7:20:49.6.

Tarutius parece ter levado em consideração também outros dados simbólicos em sua “engenharia reversa” astrológica: o eclipse de 24 de junho de 772 a.C. se deu no signo de Gêmeos, o que é bem significativo se falamos da concepção dos gêmeos meio humanos, meio deuses. No mito, Rômulo e Remo são filhos do deus Marte e, na data da concepção, o planeta Marte se encontrava domiciliado no signo de Áries – seu posicionamento de maior poder. A concepção se dá no momento da ascensão de Júpiter, o maior de todos os deuses. Ressalte-se, contudo, que não há textos identificados como sendo de Tarutius a respeito dos posicionamentos planetários da concepção ou nascimento de Rômulo e Remo. Varro nos fornece apenas as datas. O caso da fundação de Roma, conforme veremos a seguir, é diferente: Varro, citado por Solino, transmite as posições planetárias do nascimento da cidade.

Conjunção soli-lunar 772 a.C.

Representação astronômica do software Stellarium para a conjunção soli-lunar eclipsante ocorrida no suposto momento da concepção dos gêmeos semidivinos, no dia 24 de junho de 772 a.C.

Carta da concepção de Rômulo e Remo

Configuração astrológica da suposta concepção de Rômulo e Remo, considerando a data de 24 de junho de 772 a.C. Fonte: Astrodatabank.

Nascimento dos gêmeos semidivinos

O nascimento dos gêmeos se deu, segundo o texto de Plutarco sobre Varro e Tarutius, na aurora de 21 de Thoth, logicamente nove meses depois da suposta concepção semidivina, ou seja, no ano de 771 a.C. Isto equivale, segundo pesquisadores , ao dia 24 de março de 771 a.C. (ou seja: os gêmeos foram gestados por nove meses menos dois dias) por volta das 6h10m (momento da aurora naquele dia). Alguns indícios interessantes: o mês de março tem este nome em homenagem ao deus Marte, pai dos gêmeos segundo o mito, de modo que é provável que os romanos tenham batizado este mês de "mars" em homenagem ao nascimento dos filhos do deus. Além disso, o nascimento dos gêmeos foi concebido pelo astrólogo como muito próximo do ponto vernal – momento de início da primavera no Hemisfério Norte, símbolo de renovação e renascimento. Eis uma curiosa coincidência: se considerarmos a astrologia tradicional, geocêntrica, a configuração planetária do momento deste nascimento é perfeitamente condizente com o aforismo de Firmicus Maternus sobre crianças abandonadas, porém recolhidas e criadas por outro ser. No caso dos gêmeos, eles foram arrancados de sua mãe e jogados no rio, porém sobreviveram, foram amamentados por uma loba e posteriormente criados pelo pastor Fáustulo e sua mulher, Aca Laurência.

Repito, portanto, o aforismo de Maternus já anteriormente exposto e o relaciono com o suposto nascimento de Rômulo e Remo: "Se Marte e Saturno estiverem num ângulo, ou num ângulo e o outro na anáfora ou na epicatáfora de um ângulo" (nota: Saturno estava ascendente e Marte bem próximo ao fundo do céu, ou seja, um estava perfeitamente angular e o outro quase angular); "e a Lua estiver em conjunção com um deles, ou em quadratura ou oposição a um deles, o nativo será exposto" (nota: a Lua se encontrava conjunta a Marte, no signo de Gêmeos, o mesmo da suposta concepção). "Mas, com todos estes assim localizados, se um planeta benéfico entrar em aspecto à Lua, dirigindo-se a ela, o exposto será recolhido e criado no lugar dos filhos do descobridor" (nota: Lua e Júpiter, o chamado "grande benéfico", formavam aspecto).

Teria Firmicus Maternus pensado no mapa de nascimento de Rômulo e Remo quando escreveu este aforismo em seu "Matheseos Libri VIII", considerando o descritivo de Plutarco acerca dos cálculos de Tarutius? É uma possibilidade, embora cause estranheza a ausência de exemplificação objetiva por parte de Firmicus Maternus num caso tão notável, sendo que o astrólogo apreciava expor casos reais como forma de substanciar seus aforismos e, assim, convencer o leitor da eficácia da Astrologia. Seria de se esperar que Maternus citasse explicitamente o nascimento dos fundadores de Roma no capítulo II do "Liber Septimus", se considerarmos que Rômulo e Remo são o mais famoso caso de "crianças expostas" da história ocidental. Talvez Firmicus Maternus apenas não tenha atentado para aplicação de seu aforismo no caso do nascimento de Rômulo e Remo, e tudo se trate de uma curiosa coincidência entre uma data mítica e uma regra astrológica que se adequou.

Nascimento de Rômulo e Remo - carta natal

Configuração astrológica do suposto nascimento de Rômulo e Remo, segundo data informada por Tarutius conforme descrição de Plutarco. Nota-se a perfeita correspondência entre as posições planetárias aqui expostas e o aforismo de Firmicus Maternus sobre "crianças expostas, porém salvas".

Leia também, do mesmo autor: Roma: do estupro à civilização

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