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 Edição 171 :: Setembro/2012

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ASTROLOGIA E LITERATURA

Gregório de Matos Guerra, o Boca do Inferno

Fernando Fernandes

Gregório de Matos Guerra, um poeta genial que as famílias baianas do século XVII queriam ver pelas costas. No seu mapa, configurações que falam de imprudência e compulsão para provocar. O Boca do Inferno acabou degredado - e não foi sem motivo!

Eu sou aquele, que os passados anos
Cantei na minha lira maldizente
Torpezas do Brasil, vícios e enganos.

(Aos Vícios, Gregório de Matos Guerra)

Gregório de Matos GuerraMuitos o consideram o primeiro poeta brasileiro. Na verdade, é o primeiro grande poeta nascido no Brasil, já que, pelo estilo, pela formação cultural e pelas inclinações pessoais, seria mais correto considerar Gregório de Matos Guerra no contexto da literatura lusitana. Sobre sua data de nascimento pairam algumas dúvidas, sendo mais provável a de 20 de dezembro de 1633.

Gregório fez seus primeiros estudos em Salvador, no Colégio dos Jesuítas – o único de então – e vai depois para Coimbra, onde se forma em Direito. Exerce a profissão em Lisboa, mas seu incontrolável apetite para a sátira cria atritos que o obrigam a retornar à Bahia. Em Salvador, vai trabalhar como tesoureiro-mor dos jesuítas, mas a vocação satírica cria-lhe novos e monumentais problemas. Incompatibilizado com personagens poderosas da colônia, Gregório acaba degredado para Angola, o que na época representava um terrível castigo: a colônia africana era um local inóspito e distante dos meios civilizados, onde grassavam as febres tropicais e toda sorte de doenças infecto-contagiosas. Findo o degredo, retorna ao Brasil já bastante doente e submetido a duas proibições: a de colocar os pés na Bahia e a de apresentar suas sátiras. Em 1696, morre na cidade do Recife.

A carta básica de Gregório de Matos, calculada para 20.12.1633, mostra o Sol no último grau de Sagitário recebendo a oposição de Júpiter em Gêmeos e a quadratura de Urano em Libra.

Gregório de Matos, carta básica

Carta básica de Gregório de Matos Guerra, calculada para às 0h05 de 20.12.1633.
Salvador, BA.

Sol em Sagitário é um dos indicadores clássicos do espírito satírico, da disposição bem humorada que não mede palavras e acaba ferindo o amor próprio dos mais suscetíveis. É um posicionamento associado à falta de tato (o tato está associado às mãos, regidas por Gêmeos, signo oposto a Sagitário).

Marte, no crítico signo de Virgem e em quadratura com Sol e Júpiter, ajuda a explicar porque Gregório recebeu o apelido de Boca do Inferno. É um aspecto de agressividade (Sol-Marte) e de comportamento imprudente (Marte-Júpiter), típico de quem não pensa duas vezes antes de “mexer em casa de marimbondos”.

Se Gregório nasceu antes das 21h50, sua Lua está em Leão, formando uma quadratura T com Plutão em Touro e Vênus em Escorpião. Uma Lua leonina tende a ser teatral, extrovertida, dramática e alegre. Sente-se à vontade chamando a atenção para si, buscando a luz dos refletores. Afligida por Plutão, pode indicar em Gregório a disposição obsessiva para um tipo de humor perverso e provocativo, que acaba trazendo consequências destrutivas. O envolvimento de Plutão num aspecto tenso com os dois planetas que moldam no homem o sentido do feminino é sinal também de emoções intensas e de relações conturbadas com mulheres. Mesmo que desconsideremos Plutão, planeta ainda não descoberto no século XVII, resta a quadratura da Lua com Vênus (valores estéticos e afetos) posicionada em Escorpião (índice de erotização e sexualidade), como a indicar um homem capaz de extremos de paixão e de erotismo.

Tanto Vênus em Escorpião quanto Plutão em aspecto com a Lua remetem a sentimentos tumultuosos que se escondem sob a capa do aparente controle (Escorpião é um signo mudo e de paixões “subterrâneas”). Este conflito entre o sentir e o exibir é tematizado em vários poemas de Gregório, como no soneto:

Largo em sentir, em respirar sucinto,
peno e calo, tão fino e tão atento
que, fazendo disfarce do tormento,
mostro que o não padeço e sei que o sinto.

O mal, que fora encubro ou que desminto,
dentro do coração é que o sustento,
com que, para penar é sofrimento,
para não se entender é labirinto.

Mercúrio no conservador e por vezes cáustico signo de Capricórnio reveste a poesia de Gregório de Matos com um tratamento formal e uma linguagem vazada nos padrões que na época eram considerados cultos e elegantes. Gregório cultivou os estilos cultista e conceptista típicos do barroco português, cheios de jogos de palavras, antíteses, paradoxos, raciocínios sutis e eruditas figuras de linguagem de que lança mão abusivamente. Vejam-se as duas estrofes finais do mesmo soneto:

Ninguém sufoca a voz nos seus retiros:
da tempestade, é o estrondo efeito.
Lá, tem ecos a terra, o mar suspiros.

Mas ai do meu segredo alto conceito:
porque não chegam a vir à boca os tiros
dos combates que vão dentro do peito.

A combinação entre o mapa de Gregório de Matos e o da cidade de Salvador não poderia ser mais reveladora. O crítico e agressivo Marte de Gregório faz conjunção com Urano no Fundo do Céu da cidade, um interaspecto realmente explosivo. A casa 4 é a das bases domésticas, e também daquilo que fica oculto entre as quatro paredes do que comumente chamamos de “recesso do lar”. Assim como as outras casas de Água – a 8 e a 12 – a casa 4 indica comportamentos que não gostaríamos que fossem revelados publicamente. No caso da capital da Bahia, o que fica guardado no Fundo do Céu é exatamente Urano, que, sendo co-regente de Aquário na cúspide da casa 9 (o outro regente é Saturno), revela que a cidade mantém dois padrões morais: um, simbolizado por Saturno acima da linha do horizonte, é mais conservador e austero, enquanto o outro, representado por este Urano “escondido” no Fundo do Céu, é mais liberal e transgressivo. O Marte de Gregório, como um instrumento agudo e cortante, literalmente espeta a intimidade da família baiana, pondo a nu o que realmente ocorria sob o disfarce da moral de superfície.

Salvador, século XVII

A cidade de Salvador, no século XVII, apesar do status de capital, ainda era uma cidade provinciana onde as fofocas corriam depressa.

Como a casa 9 também é a dos eclesiásticos e a das lideranças intelectuais da comunidade, é fácil compreender como o inconveniente Marte de Gregório incomodou figuras de grande influência, o que acabou por contribuir decisivamente para sua sentença de degredo.

Já Netuno de Gregório, em Escorpião, faz oposição a Mercúrio, regente do Ascendente de Salvador. Mercúrio-Netuno em sinastria é um índice de comunicação confusa, de inconfiabilidade, de possíveis problemas gerados por fofocas ou por afirmações mal compreendidas. A dificuldade para o estabelecimento de um vínculo de simpatia entre a cidade e seu poeta amplia-se ainda mais pela oposição do Mercúrio de Gregório à conjunção Lua-Marte de Salvador: um aspecto de querelas verbais, agressividade e pouca disposição para o entendimento mútuo.

Não estranha, pois, que a cidade quisesse vê-lo longe, de preferência do outro lado do oceano. O temível Boca do Inferno não teve a condescendência dos contemporâneos. Foram precisos três séculos para que sua obra fosse resgatada pela Academia Brasileira de Letras e, enfim publicada, entre 1923 e 1933, recebesse o reconhecimento dos baianos e de todos os brasileiros.   

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